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Significado e história do 1° de maio, Dia do Trabalhador

 Significado e história do 1° de maio, Dia do Trabalhador

1 de maio é o Dia do Trabalhador, data que tem origem a primeira manifestação de 500 mil trabalhadores nas ruas de Chicago, e numa greve geral em todos os Estados Unidos, em 1886. Três anos depois, em 1891, o Congresso Operário Internacional convocou, em França, uma manifestação anual, em homenagem às lutas sindicais de Chicago. A primeira acabou com 10 mortos, em consequência da intervenção policial. São os factos históricos que transformaram 1 de maio no Dia do Trabalhador. Até 1886, os trabalhadores jamais pensaram exigir seus direitos, apenas trabalhavam.

No dia 23 de abril de 1919, o Senado francês ratificou as 8 horas de trabalho e proclamou o dia 1º de maio como feriado, e um anos depois a Rússia fez o mesmo.

No Brasil é costume os governos anunciarem o aumento anual do salário mínimo no dia 1 de maio.

Em Portugal, os trabalhadores assinalaram o 1.º de Maio logo em 1890, o primeiro ano da sua realização internacional. Mas as ações do Dia do Trabalhador limitavam-se inicialmente a alguns piqueniques de confraternização, com discursos pelo meio, e a algumas romagens aos cemitérios em homenagem aos operários e ativistas caídos na luta pelos seus direitos laborais.

Com as alterações qualitativas assumidas pelo sindicalismo português no fim da Monarquia, ao longo da I República transformou-se num sindicalismo reivindicativo, consolidado e ampliado. O 1.º de Maio adquiriu também características de ação de massas. Até que, em 1919, após algumas das mais gloriosas lutas do sindicalismo e dos trabalhadores portugueses, foi conquistada e consagrada na lei a jornada de oito horas para os trabalhadores do comércio e da indústria.

Mesmo no Estado Novo, os portugueses souberam tornear os obstáculos do regime à expressão das liberdades. As greves e as manifestações realizadas em 1962, um ano após o início da guerra colonial em Angola, são provavelmente as mais relevantes e carregadas de simbolismo. Nesse período, apesar das proibições e da repressão, houve manifestações dos pescadores, dos corticeiros, dos telefonistas, dos bancários, dos trabalhadores da Carris e da CUF. No dia 1 de Maio, em Lisboa, manifestaram-se 100 000 pessoas, no Porto 20 000 e em Setúbal, 5000.

Ficarão como marco indelével na história do operariado português, as revoltas dos assalariados agrícolas dos campos do Alentejo, que tiveram o seu grande impulso no 1.º de Maio de 62. Mais de 200 mil operários agrícolas que até então trabalhavam de sol a sol, participaram nas greves realizadas e impuseram aos agrários e ao governo de Salazar a jornada de oito horas de trabalho diário.

Claro que o o 1.º de Maio mais extraordinário realizado até hoje, em Portugal, com direito a destaque certo na história, foi o que se realizou oito dias depois do 25 de Abril de 1974.

O Dia do Trabalhador também tem sido tubulento na Turquia, muitas vezes violento e mortal. Este ano fica marcado por uma originalidade : o regime não quis proibir diretamente a manifestação tradicional na PraçaTaksim. Mas começou uma renovação completamente desproporcionada para impedir a chegada a concentração de trabalhadores e intelectuais no local histórico.

No Japão, o 1° de maio é comemorado a… 23 de novembro, desde 1948. É chamado de Kinrou Kansha no Hi ( きんろうかんしゃのひ / 勤労感謝 の日), que traduzindo seria “Dia da Ação de Graças ao Trabalho“.

Muito antes de ser considerado o Dia do Trabalhador, 1 de maio foi dia de outros factos históricos.

  • Em 1500, Pedro Álvares Cabral tomou posse da Ilha de Vera Cruz (atual Brasil), em nome do Rei de Portugal.
  • Já em 1707, passou a vigorar o Tratado de União, que transformou os reinos da Inglaterra e da Escócia em Reino Unido. A ópera ‘As Bodas de Fígaro’, de Mozart, estreou em Viena, Áustria, neste dia, em 1786. E em 1834 foi abolida a escravatura nas colónias inglesas.
  • No primeiro dia de maio de 1960, iniciou-se uma crise diplomática entre antiga União Soviética e os EUA, com o abate do U-2, um avião espião norte-americano, pilotado por Francis Gary Powers.
  • O automobilismo sofre uma grande perda num 1° de maio: em 1994, no Grande Prémio de San Marino, o brasileiro Ayrton Senna sofreu um acidente grave e morreu no mesmo dia.
  • A 1 de maio de 2004, a União Europeia cresceu, com a entrada de mais dez países: República Checa, Hungria, Chipre, Eslováquia, Polónia, Eslovénia, Estónia, Letónia, Lituânia e Malta.
  • E em 2011, 1 de maio foi dia em que Barack Obama disse “We got him”, referindo-se ao terrorista Osama Bin Laden, capturado e morto numa operação norte-americana, no Paquistão (???).
  • Nasceram neste dia Jean de Joinville, escritor francês (1225), Aleksey Khomyakov, poeta russo (1804), e Sidónio Pais, presidente da República de Portugal (1872).  

Surpresa

Maias, Incas e astecas

 

By Larissa Maria-Silva Pereira | Studymode.com

 

 
Maias, Incas e Astecas


Pirâmide construída no Império Maia
Na América, a organização de sociedades mais complexas, como a dos Astecas, Maias e Incas, não ocorreu ao mesmo tempo em que no Oriente próximo ou na Europa. Aliás, os processos históricos não são nunca os mesmos em todas as sociedades.

Os astecas
Origens
A influência dos olmecas entre os astecas também foi muito grande, sobretudo porque eles viveram, em tempos diferentes, basicamente na mesma região. Após a hegemonia olmeca, a região sofreu várias invasões de povos vindos da América do Norte.
Os primeiros povoadores procedentes do norte, da região de Nahua (família lingüística do nahuatl), construíram, entre 500 e 600 d.c, baseados nas tradições olmecas, uma grande cidade, Teotihuacán, com gigantescas pirâmides homenageando o Sol, a Lua e seu deus maior, Quetzacoatl. Nesse centro urbano desenvolveu-se uma sociedade  sobre a qual , infelizmente, temos poucas informações.

Calendário Asteca
O povo asteca é originário da região de Aztlán (daí a palavra asteca), no sul da América do Norte. Ele se estabeleceu no planalto mexicano (especificamente nas ilhas do lago Texcoco), junto com outros povos, após uma longa marcha, em 1168 d.c. No ano de 1325 eles começaram a construção de sua cidade, Tenochtitlán, que no século XV  seria uma das maiores cidades do mundo.
Organização Política - Aformação do Império Asteca    
A formação do Império asteca baseou-se na aliança de três grandes cidades, texcoco, Tlacopán e a capital, Tenochtitlán, estendendo seu poder por toda a região. As relações políticas que se estabeleceram entre elas e as regiões que controlavam ainda não são muito claras. Contudo, pode-se afirmar que não era  uma estrutura rigorosamente centralizada, como ocorreria entre os incas.
Na confederação Asteca conviviam inúmeras  comunidades com  idiomas, costumes e culturas diferentes. A unidade entre elas dava-se em torno de aspectos religiosos e, principalmente, através da centralização militar dos astecas e da arrecadação dos impostos. As diversas províncias da região que, além dos tributos, elas deveriam fornecer contingentes militares e submeter-se aos tribunais da capital.
O Império asteca atingiu seu apogeu entre 1440 e 1520, quando foi inteiramente destruído pelos colonizadores espanhóis liderados por Cortés. Após diversas incursões colonizadoras em agosto de 1521 o Império Asteca foi inteiramente conquistado. Diversas razões levaram à derrota asteca a primeira é propriamente militar: a guerra, para os astecas, tinha como objetivo a dominação político-militar, para os espanhóis  a guerra era de conquista e extermínio. Além disso, as estratégias militares e, principalmente, o armamento bélico dos colonizadores eram bem mais avançados. Outro motivo importante foi aproliferação de várias doenças e epidemias entre os astecas (a mais forte  foi a varíola). Um fato adicional que contribuiu muito para a derrota asteca foi a aliança estabelecida  entre alguns povos da região (tlaxcaltecas, totonecas, etc.) e os espanhóis. A intenção imediata desses povos era derrotar a hegemonia dos astecas na região, e os espanhóis eram fortes aliados para alcançar esse objetivo. Todavia, eles não puderam prever o que lhes aconteceria após a derrota asteca, com a consolidação da colonização européia.
Economia asteca
A sustentação da economia do Império estava baseada  justamente no pagamento dos tributos  em mercadorias. A não-destruição das cidades submetidas e a manutenção relativa do poder local incluíam-se nessa lógica de arrecadação dos tributos, que variavam muito. Estima-se que,  no final do Império, Recebia-se toneladas de milho, feijão, cacau, pimenta seca; centenas de litros de mel, milhares de fardos de algodão, manufaturados têxteis, cerâmicas, armas, além de animais, aves, perfumes, papel, etc.
A produção agrícola estava baseada essencialmente nos cereais, sobretudo no milho que, na verdade, foi a base da alimentação das civilizações pré-colombianas. É bem provável que essas sociedades  não teriam se desenvolvido sem o milho, pois ele as sustentava e possibilitava o crescimento  de suas populações.
A posse das terras tinha uma característica muito interessante: oEstado asteca era proprietário de todas as terras e as distribuía aos templos, cidades e bairros. Já nas cidades e bairros, a exploração da terra tinha um caráter coletivo, todo adulto tinha direito de cultivar um pedaço de terra para sobreviver e o dever de trabalhá-la. Na fase final do Império, essa relação foi se modificando, pois sacerdotes, comerciantes e chefes militares se desobrigaram de trabalhar na terra, criando uma forma de diferenciação social.
Sociedade asteca
Podem ser uma sociedade fundada em aspectos religiosos e na guerra, aqueles que detinham mais poder eram os sacerdotes, seguidos dos chefes militares e dos altos funcionários do Império. Os altos funcionários militares e do Estado recebiam a denominação tecuhtli (dignitário), eram escolhidos pelo soberano e tinham uma série de privilégios (não pagavam impostos e viviam em grandes residências).
O comércio externo era realizado por poderosas corporações de comerciantes, os pochtecas. O comércio de luxo entre as cidades era dominado por eles. Em razão do rápido enriquecimento desse setor da sociedade, ele foi ganhando gradativamente poder e distinção.
A maioria dos artesãos trabalhava vinculada a algum senhor (tecuhtli), e muitos mantinham oficinas em palácios e templos. O imposto era pago em artigos de sua especialidade e não eram obrigados ao trabalho coletivo.
A maior parte da população estava entre os homens livres comdireito a cultivar um pedaço de terra para sua sobrevivência, embora devessem obrigações como pagamento de impostos em mercadorias (a maior fonte de arrecadação), prestar o serviço militar e o trabalho coletivo (construir, conservar e limpar estradas, pontes e templos).
Os tlatlacotin formavam os status sociais mais baixos, compostos geralmente por prisioneiros de guerra, condenados, desterrados. Em troca de casa, comida e trabalho, eles se vinculavam a um amo. Isso não significava que eram escravos, pois podiam torna-se livres e possuir bens.
Religião e cultura dos Astecas
Os astecas eram considerados o povo mais religioso da região. Sua religião era essencialmente  astral, isto é, baseada nos astros, e foram absorvendo deuses e ritos.
Os mitos e ritos astecas eram muito ricos e variados, e relacionavam-se com a natureza. Os cultos mais importantes sempre envolviam o Sol. Eram muito comuns rituais com sacrifícios humanos; a guerra, portanto, era uma grande fornecedora de prisioneiros para os sacrifícios.     Geralmente toda a energia da comunidade estava canalizada para as atividades ritualísticas, realizadas com uma série encenações e procedimentos minuciosos.
As atividades artísticas dos astecas foram muito influenciadas pelas tradições olmecas e toltecas. A escultura em jade e as grandes construções são exemplos claros dessas influências. A arquitetura estava ligada à vida religiosa, a formamais freqüentemente utilizada era a pirâmide com escadarias, culminando em um santuário no topo.
Os afrescos coloridos e as pinturas murais também tinham destaque entre as artes astecas. O escriba  ostentava o título de pintor, pois os hieróglifos eram acompanhados por uma série de quadros cuidadosamente desenhados.
A música e a poesia estavam intimamente ligadas. Quase sempre acompanhadas  por instrumentos, danças e encenações, as músicas tinham caráter religioso.
Infelizmente, a violência da colonização espanhola acabou destruindo grande parte dessa rica produção.


Os maias Origens
Antes que os maias se radicassem em algumas regiões da América Central, existiam aí povos originários, como os otomies e otoncas. Vindos da  América do Norte, após décadas vagando  pela América Central, os maias estabeleceram-se no Yucatán e áreas próximas, por volta de 900  a. C. A produção do milho e a influência dos olmecas forram mito importante para o seu desenvolvimento
A área ocupada pelos maias pode ser dividida em duas regiões. A das terras altas (área abrangida hoje por El Salvador e Guatemala)  estava voltada para o Pacífico e, apesar de possuir boas condições naturais, não teve muita importância para a construção da civilização maia.
É comum  dividir-se o processo de construção da civilização maia  em uma primeira fase (317-987) e uma segunda fase (987-1697). A primeira  fase teria se iniciado em 317d.C. Essa data, na realidade, tem como referência o mais antigo objeto maia encontrado até hoje. Sabe-se que essa civilização já existia antes de 317, mas não se dispõe ainda de informações precisas a respeito desse período.
Sociedade maia
A sociedade começou a desenvolver-se, com destaque para três cidades: Chichen-Itzá, Mayapan e Uxmal. Em 1004 foi criada a Confederação Maia, que reuniu essas três grandes cidades. Dezenas de cidades e povoados são criados ao longo dos duzentos anos seguintes, expandindo seu poder político na região. Após o período de união (entre os séculos X e XI), as cidades da Confederação entram em confronto, sendo Mayapan a vitoriosa. A hegemonia política dessa cidade  foi sustentada por uma forte base guerreira. Inúmeras revoltas explodem na região, e em 1441 Mayapan é incendiada; As grandes cidades são abandonadas por causa das guerras.
As lutas internas, as catástrofes naturais (terremotos, epidemias, etc.), as guerras externas e principalmente, o declínio da agricultura levaram a sociedade maia à decadência. Quando os europeus chegaram à região (1559), os sinais de enfraquecimento dos maias eram evidentes, tornando a conquista mais fácil. Em 1697, a última cidade maia (Tayasal) é conquistada e destruída pelos colonizadores.
Cada cidade tinha um chefe supremo que tinha um nome na língua deles, e o cargo era hereditário.
Os camponeses e artesãos compunham a maioria dapopulação eram obrigados a pagar os tributos, a trabalhar nas grandes obras e moravam nos bairros mais distantes dos centros. Os escravos, geralmente por conquista serviam a um senhor, mas não trabalhavam na produção
Religião dos Maias
A sociedade maia tinha um caráter fortemente religioso; a religião dava legitimidade ao poder, que era exercido basicamente por algumas famílias.
Havia também um supremo sacerdote conhecido como Ahaucan (senhor da serpente). Ele indica os outros sacerdotes, rege as cerimônias, recebe tributos e decide sobre as coisas do estado. Existiam também sacerdotes com funções específicas, como os adivinhos, os encarregados dos sacrifícios humanos, os escribas, etc.
A organização do Estado 
Os maias não chegaram a organizar um forte e poderoso Estado centralizado.
Na realidade, as cidades maias importantes controlavam as aldeias e terras próximas. Não havia nenhum poder ou instituição que as unificasse. Elas tinham autonomia econômica e política, e geralmente eram governadas por famílias.
Houve períodos  em que a unidade foi estabelecida entre algumas cidades, como durante a Confederação Maia. N entanto, a regra era a independência e a luta entre  cidades por novas terras, tributos, matérias primas, etc.  
Economia maia
A economia dos maias baseava-se na agricultura. A tecnologia empregada nas atividades agrícolas era bastante primitiva. Contudo, eles conseguiam umaextraordinária produtividade, principalmente do milho. É justamente em virtude dessa produção do milho, gerando excedentes, que um grande contingente de mão-de-obra podia ser liberado das atividades agrícolas para a construção de templos, pirâmides, reservatórios de água, etc.
As terras pouco férteis da região obrigavam os maias a realizar um rodízio, que geralmente mantinha a terra boa durante oito a dez anos. Após esse período era necessário procurar novas terras, cada vez mais distantes das aldeias e cidades. O esgotamento das terras, as distâncias cada vez maiores entre elas e as cidades e o aumento da população impuseram à civilização maia uma dura realidade. A fome, um dos fatores que a levaram à decadência.
Cultura maia
Os conhecimentos de astronomia dos mais eram realmente avançados, e seus observatórios, bem-equipados. Eles podiam prever eclipses e elaboraram um calendário de 365 dias. Para o desenvolvimento da astronomia, a matemática era um elemento fundamental, daí terem acumulado conhecimento nessa área.
As atividades médica e a farmacêutica também eram bastante desenvolvidas, o que foi reconhecido até pelos colonizadores.
As peças teatrais, os poemas, as crônicas, as canções, tinham uma função literário-religiosa bem evidente.
Mas a arquitetura e a engenharia representam as áreas do conhecimento mais desenvolvidas pelos maias. Seus grandes centros religiosos, as pirâmides, ascidades com edifícios de vários andares, os canais de irrigação e os reservatórios de água maravilham os conquistadores europeus.


Os incas Origens 
O povo incaico é originário de uma região entre o lago Titicaca e a cidade de Cuzco, no Peru. A partir daí os incas expandiram-se por uma área que abrangia desde o sul da Colômbia, passando pelo Equador, Peru, Bolívia e norte da Argentina, até o sul do Chile. Esse Império chegou a reunir cerca de 15 milhões de pessoas, de povos com línguas, costumes e culturas diferentes.
Antes da construção do Império incaico viviam nessa região povos com culturas e formações sociais avançadas, que se costuma denominar pré-incaicos.
A organização política dos Incas
O Império Inca absorveu as diversas culturas das civilizações preexistentes, colocando-as  a serviço da expansão e manutenção do Império. A vitória sobre os Chancas, em 1438 d. C., liderada pelo inca Yupanqui, marcou o início da formação do Império. Ele ocupou quase todo o Peru, chegando até a fronteira do Equador. Seus sucessores expandiram o Império para o altiplano boliviano, norte da Argentina, Chile e Equador, até o sul da Colômbia
Para controlar seu Império, o Estado inca mantinha um constante censo populacional, um instrumento fundamental para o censo era o quipo ,uma espécie de elaborada calculadora manual feita de cordões coloridos e nós. Quem realizava o levantamento e a leitura eram osfuncionários chamados de quipucamayucus.
Esse imenso Império inca, controlado de perto pelo Estado, precisou de uma infra-estrutura que permitisse a circulação de funcionários, mensageiros, impostos, populações, exércitos, etc. Para que isso ocorresse, foi construída uma incrível rede de pontes e caminhos lajeados. Ao longo desses caminhos havia os tambos, pequenas construções que continham alimentos e água, servindo de alojamento para os viajantes.
Sociedade inca
O Estado inca era imperial, capaz de controlar rigidamente tudo o que ocorria em sua vasta extensão territorial. O chefe desse Estado era o Inca, um imperador com poderes sagrados hereditários, reverenciado por todos.
Ao lado do inca havia uma rede de sacerdotes, escolhidos por ele entre a nobreza.
Para manter o Império íntegro, criou-se uma complexa burocracia administrativa e militar. Os cargos administrativos eram distribuídos entre membros da nobreza e acabaram adquirindo hereditariedade. O caráter guerreiro do Império privilegiava a formação e educação militar. Como os burocratas, essa camada privilegiada era mantida graças aos tributos arrecadados pelo Estado.
Os camponeses, chamados, em troca do direito  de trabalho no campo, eram obrigados a cultivar as terras do Inca e dos curacas e a pagar os impostos em mercadorias. Além disso, o estado os obrigava a trabalhar nas obras públicas, como as pirâmides, caminhos, pontes, canaisde irrigação e terraços.
Havia também os artesãos especializados, considerados artistas (pintores, escultores, ceramistas, tapeceiros, ourives, etc.), e os curandeiros e feiticeiros (cirurgiões, farmacêuticos, conhecedores de plantas medicinais, etc.).
Havia também os povos que eram escravos, as vezes algum povo conquistado também se tornava escravo.  Eles não trabalhavam na produção, e suas funções eram eminentemente domésticas.
Economia inca
A base da economia inca estava nos ayllu, espécie de comunidade agrária. Todas as terras do Império pertenciam ao Inca, logo, ao Estado. Através da vasta rede de funcionários, essas terras eram doadas aos camponeses para a sua sobrevivência. Os membros de cada ayllu deveriam, em troca, trabalhar nas terras do Estado e dos funcionários, nas obras públicas e pagar impostos.
A base da produção agrícola era o milho, seguido pela batata, tomate, abóbora, amendoim, etc. Nas áreas mais altas e com dificuldades de obtenção de água, o milho tinha de ser plantado nos terraços feitos nas encostas das serras com canais de irrigação.
A domesticação de ilhamas, vicunhas e alpacas foi importante para o fornecimento de lã, couro e transporte. Os cachorros-do-mato e porcos tinham importância secundária.
O comércio era muito precário e restringia-se basicamente aos bens de luxo destinados à corte.
Religião dos Incas
Havia uma rede de sacerdotes, escolhidos entre anobreza. Suas funções variavam desde a manutenção dos templos, realização de sacrifícios, adivinhações, curas milagrosas, até feitiçarias e oráculos. A grande maioria dos cultos e cerimônias religiosas dos incas era em homenagem ao Sol. Os sacerdotes também tinham a função de ensinar e divulgar, junto com historiadores oficiais, os mitos, lendas e histórias sobre o inca. É interessante notar que existia uma religião para a nobreza e outra divulgada entre a população mais pobre.
Cultura inca
Lembrando o que já foi dito, o Estado inca utilizou-se das inúmeras conquistas das civilizações pré-incaicas para controlar e manter seu Império.
Eles faziam um uso abancado da matemática, conheciam inclusive o zero; conheciam  muito bem a astronomia, pois o Sol representava o deus mais importante, podendo prever eclipses e fazer calendários; usavam pesos e medidas padronizados.
Os trabalhos dos incas na manufatura do ouro, da prata e do cobre maravilharam os espanhóis. Além disso, produziam cerâmica, tecidos coloridos, esculturas e pinturas

Machu Pichu
Talvez as maiores produções incaicas estejam relacionadas com a arquitetura e a engenharia. Por meio delas foi possível construir pirâmides, palácios, pontes e caminhos; cidades como Cuzco e Machu Pichu, que reuniam milhares de pessoas e mantinham uma rica ordem urbanística. E os famosos terraços irrigados nas serras e montanhas para a produção agrícola. 

Avarez

 

Escute aqui uma das músicas mais antigas do mundo. Pesquisadores encontram partitura de uma canção de mais de três mil anos

 As notícias sobre o surgimento de uma gravação musical inédita, que permaneceu escondida durante anos ou décadas, ou, até mesmo o aparecimento de uma partitura oculta por séculos tornam-se insignificantes perto de uma peça musical de 3.400 anos (veja o vídeo no final do texto).

Parece impossível, mas é verdade: cientistas da Universidade da Califórnia, em Berkeley, encontraram e decodificaram um conjunto de antigos textos cuneiformes, e o resultado é a recriação de uma peça musical inédita. O corpo das tabuinhas cuneiformes anciãs, conhecido como texto léxico, foi descoberto pela primeira vez na década de 1950 na antiga cidade síria de Ugarit. Antes, não se sabia quase nada sobre a música sumério-babilônica, a não ser o tipo de instrumentos musicais utilizados, o que se deduziu a partir de imagens esculpidas e de vestígios arqueológicos encontrados. Eram completamente desconhecidas a teoria e a prática do que se considerava uma arte divina, cujo patrono era o deus Enki/Ea, que governava os reinos da magia, da arte e do artesanato.

https://latam.aetn.com/THC/noticias-do-brasil/musica-antiga-2.jpg

Mas, recentemente, foi encontrada uma coleção que conta com quatro textos cuneiformes individuais e um quinto grupo de textos com uma teoria e notação musical complexas e um hino de louvor de quase 3.400 anos, ou seja, a peça completa mais antiga de música escrita já descoberta. A tábua contém a letra de um hino a Nikkal, deusa das plantações, e instruções para um cantor, acompanhadas de um sammûm de nove cordas, um tipo de harpa ou lira.

Os especialistas da Universidade da Califórnia publicaram um livro de áudio chamado “Uma Canção do Culto Hurrian da Antiga Ugarit”. Outros cientistas e artistas realizaram suas próprias versões dessa música ancestral: um convite para se envolver na atmosfera mágica que vem de um passado muito, muito distante.

 

Avarez

 

 

 Avarez

 

Os sete mitos da conquista da América

Como poucas centenas de espanhóis submeteram milhões de índios, alguns tão desenvolvidos quanto as mais avançadas civilizações europeias?

 

Nem bem o sol iluminou o lago Texcoco, no imenso Vale do México, os dois maiores líderes do Novo Mundo colocaram-se frente a frente. Era 8 de novembro de 1519 e havia anos que espanhóis e nativos se pegavam em violentas batalhas nas terras recém-descobertas da América. De um lado, Hernán Cortez personificava a figura do conquistador europeu como ninguém. Do outro, o todo-poderoso imperador asteca Montezuma II permanecia impassível. Apesar da expectativa de um encontro amigável, a tensão era tão óbvia quanto inevitável. Espanhóis e astecas trocavam olhares, até que Montezuma desceu de sua pequena tenda e foi em direção aos invasores. Cortez repetiu o gesto. Saltou do cavalo e seguiu ao encontro do imperador. A tensão aumentava a cada passo. Olhos nos olhos, eles esboçaram saudações de respeito mútuo, mas não trocaram mais do que poucas palavras, com a ajuda de um intérprete. De qualquer forma, a diplomacia prevaleceu. E, pacificamente, todos tomaram o rumo de Tenochtitlán, a capital do império asteca. Alguns meses depois, os dois lados voltariam a se encontrar. Mas, desta vez, numa sangrenta batalha que culminaria com a morte de Montezuma e faria de Cortez o homem mais poderoso do América espanhola.

Até hoje, muitos historiadores consideram este episódio como o maior símbolo do encontro entre dois continentes. E não por acaso. Pela primeira vez, um imperador nativo acolheu em suas terras o representante de um povo que estava ali justamente para conquistá-las. Além disso, as diferenças culturais entre os dois grupos nunca estiveram tão expostas quanto naquela manhã de novembro. Estas diferenças, além das idiossincrasias do século 16, ajudaram a perpetuar pelos séculos o que o historiador americano Matthew Restall, professor da Universidade da Pensilvânia, chama de “sete mitos da conquista espanhola das Américas” em seu livro Seven Myths of the Spanish Conquest (inédito em português)

Esses mitos podem ser identificados na figura de Cortez, até hoje citado por sua genialidade militar, pela forma como usou e inovou a tecnologia disponível na época, pela maneira astuta como manipulou “índios supersticiosos” e pelo modo heróico com que levou algumas centenas de espanhóis à vitória, contra um império de milhares de guerreiros. Mas a história não foi bem assim. Desde a primeira vez que Cristóvão Colombo pisou nas ilhas do Caribe, os homens enviados para cá se encarregaram de capitalizar o feito em benefício próprio, aumentando uma coisinha aqui, inventando uma ali.

 

Meia dúzia de aventureiros

O mito dos homens excepcionais e seus feitos extraordinários

Cristóvão Colombo estava em algum lugar do Atlântico, em 1504, quando a rainha da Espanha enviou uma esquadra para prendê-lo e levá-lo acorrentado para a Europa. Desde sua primeira viagem pelo Novo Mundo, seu prestígio já não era o mesmo. Sua insistência na mentira de que havia achado uma nova rota para as Índias, fato que lhe rendeu títulos e status, havia deixado a coroa espanhola irritada depois que Vasco da Gama contornou o Cabo da Boa Esperança e deu aos portugueses a liderança na corrida por um caminho mais curto para o Oriente.

A fama de Colombo estava irreversivelmente abalada, ele caiu em descrédito e tornou-se um pária. Mas como, depois de morto, ele se tornaria um herói? Para Restall, a idéia de que ele foi um visionário, um homem à frente de seu tempo surgiu durante as comemorações do tricentenário da descoberta da América, num país que também acabava de nascer: os Estados Unidos. Colombo foi tomado como símbolo dessa nova terra: aventureiro, destemido, um gênio a frente de seu tempo. “Mas a coisa mais espetacular sobre a visão geográfica de Colombo era a de que estava errada. A percepção de que a Terra era redonda, fato geralmente citado para imputar-lhe a condição de visionário, por exemplo, era comum a qualquer pessoa escolarizada da época”, diz Restall.

Esse é só um exemplo do mito de que a conquista da América só foi possível graças à coragem e à genialidade de meia dúzia de conquistadores e que surgiu desde os primeiros relatos dos colonizadores enviados à Espanha. Para obter a permissão de explorar novas terras, eles precisavam provar que a colonização era rentável e, para tanto, escreviam qualquer lorota: omitiam fatos, inventavam histórias, exaltavam a si mesmos. Hernán Cortez e Francisco Pizarro, responsáveis pelos tombos dos impérios asteca e inca, respectivamente, foram especialmente beneficiados por tais relatos e elevados à categoria de heróis. Biógrafos, cronistas e religiosos que participaram das expedições ajudaram a construir esta imagem, por meio das cartas enviadas à coroa, chamadas de probanzas de mérito (ou “provas de mérito”).

Pelo menos num ponto, porém, os relatos tinham razão: a desvantagem numérica dos espanhóis – fato que os levou a derrotas frequentemente ignoradas nas tais probanzas de mérito. Como, então, os conquistadores conseguiram expandir seus domínios e subjugar milhares de nativos? A resposta não está na genialidade militar de Cortez ou Pizarro. Em nenhum momento eles apresentaram novas táticas de guerra e, na maior parte do tempo o que fizeram foi seguir rotinas adotadas em conflitos anteriores ao descobrimento. Uma das mais importantes foi a aliança com os nativos (que veremos mais adiante). Mesmo assim, eles não abriram mão de procedimentos igualmente eficientes, mas que nada tinham de inventivos: o uso da violência indiscriminada para intimidar os resistentes. Nos casos extremos, pessoas eram decepadas ou queimadas vivas em praça pública, tinham braços e mãos amputados e suas famílias recebiam seus corpos, o que costumava garantir a submissão de outros nativos.

 

Nem pagos, nem forçados

O mito de que os espanhóis que desembarcaram na América eram todos militares

A esquadra de Colombo mal aportou na praia da ilha de Hispaniola, no Caribe, e um grupo de soldados já estava perfilado na areia. Vestiam armaduras reluzentes, carregavam as mais potentes armas da época e aguardavam apenas a ordem de seu capitão para marchar em direção às terras do Novo Mundo. Disciplinados, estavam prontos para enfrentar o inimigo. Faziam parte de uma grande operação militar. Afinal, eram soldados. Esta cena jamais aconteceu, mas passa a ideia, constantemente repetida em filmes, ilustrações e livros, de que os conquistadores eram militares enviados pelo rei e faziam parte de uma máquina de guerra.

Mas, então, quem eram eles? Nobres aventureiros ou plebeus em busca da terra prometida? A rigor, nem uma coisa, nem outra. Em sua maioria, os espanhóis eram artesãos, comerciantes e empreendedores de pequeno porte, com menos de 30 anos de idade, alguma experiência em viagens desse tipo e sem qualquer treinamento militar. Armavam-se como podiam e entravam na primeira companhia que pudesse lhes render a quantia necessária para investir em outras expedições. Assim, poderiam acumular riquezas até receber as chamadas encomiendas – ou seja, o direito de cobrar taxas e impostos sobre a produção de uma determinada área conquistada e faturar em cima do trabalho de um grupo de nativos.

A maioria dos conquistadores não recebia ajuda financeira da coroa. Em geral, viajava por sua conta e risco em busca de status e dinheiro. Ou, no máximo, tinha um vínculo com eventuais patrocinadores, em nome dos quais as terras recém-descobertas eram exploradas. De qualquer forma, eles não eram pagos, tampouco obrigados a viajar. E muito menos soldados aptos a lutar pelos interesses da Coroa.

Guerreiros invisíveis

O mito de que poucos soldados brancos venceram milhares de guerreiros índios

Quando o conquistador Bernal Díaz de Castillo viu a capital asteca pela primeira vez, não conseguiu descrever a visão que teve do alto do Vale do México. A metrópole pontilhada de pirâmides, irrigada por canais navegáveis, engenhosamente construída para ser a referência de outras grandes cidades do império, poderia ser comparada às maiores capitais europeias. Uma pergunta talvez lhe tenha surgido: como poucos de nós poderemos subjugá-la? Seguindo o mesmo raciocínio, como apenas centenas de europeus poderiam vencer os milhões de índios espalhados pelo continente? Nem a “genialidade” de seus líderes, a pólvora ou o aço espanhol dariam conta. Há algumas respostas para essas questões.

A primeira é que os espanhóis sempre foram minoria nos campos de batalha da América, mas jamais lutaram sozinhos. Os nativos nunca formaram uma unidade política, nem no caso de astecas e maias, que fosse imune às rivalidades e intrigas. E os conquistadores se aproveitaram, desde muito cedo, dessa desunião, conseguindo formar verdadeiros exércitos índios, dispostos a eliminar seus inimigos. Na primeira vez que Cortez chegou a Tenochtitlán, mais de 6 mil aliados davam cobertura aos espanhóis, que eram cerca de 200. Na batalha final, alguns meses depois, ele conseguiu reunir mais de 200 mil homens para tomar a capital asteca. “As pessoas tendem a imaginar que os povos americanos eram unidos em torno de uma identidade nativa. Na verdade, acontecia o contrário. Quando os espanhóis chegaram à América, encontraram várias tribos rivais, que não precisavam de mais que um empurrãozinho para entrar em conflito”, afirma Restall.

Além disso, no final do século 16, cerca de 100 mil africanos desembarcaram na América. A princípio, eles trabalhavam como serventes e auxiliares dos espanhóis, mas, sempre que necessário, recebiam armas para lutar contra os inimigos. Como recompensa, ganhavam a liberdade e logo eles também se tornavam conquistadores.

 

Sob a tutela do rei

O mito de que, em pouco tempo, toda a América estava sob jugo espanhol

Palavras de Cortez: “Deixei a província de Cempoala totalmente segura e pacificada, com 50 mil guerreiros e 50 cidades. Todos estes nativos têm sido e continuam sendo fiéis vassalos de Vossa Majestade. E acredito que eles sempre serão”. A carta de Cortez enviada ao rei da Espanha dá uma boa ideia de como funcionava a burocracia da conquista. Para o monarca, não bastava o conquistador encontrar uma terra e reivindicar o direito de explorá-la. Ele precisava convencê-lo de que aquela região era economicamente viável, de preferência com minas de ouro e prata, e contava com mão de obra para tirar dali tais riquezas. Como resultado, os líderes espanhóis não pensavam duas vezes antes de carregar seus pedidos com informações exageradas.

Essa combinação de fatores contribuiu para a criação do mito de que a conquista total dos povos americanos foi alcançada logo nos primeiros anos da presença espanhola. Muitas cidades, no entanto, resistiram à dominação durante décadas. No Peru, alguns estados independentes só foram dominados depois de 1570, após a morte de líderes como Túpac Amaru. Quando os espanhóis fundaram Mérida, em 1542, boa parte da península de Yucatán, na América Central, permaneceu sob a influência dos maias – e muitas políticas elaboradas por eles sobreviveram até 1880. A experiência espanhola na atual Flórida, nos Estados Unidos, foi ainda mais desastrosa. Pelo menos seis expedições foram enviadas para lá entre 1513 e 1560, quando a região finalmente foi controlada pelos europeus. Mas um dos exemplos mais curiosos vem da bacia do Prata, onde os fundadores de Buenos Aires, em 1520, viraram jantar de tribos canibais.

Outro aspecto que mostra que a conquista não foi total era a relativa autonomia que alguns nativos mantiveram em relação aos seus dominadores – condição sancionada pelos próprios oficiais espanhóis, que procuravam não intervir nas regras que vigoravam antes de eles chegarem. E não por acaso. Esta era mesmo a melhor forma de garantir a manutenção das fontes de trabalho e da produção agrícola. Além disso, membros da elite nativa participavam dos conselhos das cidades coloniais, onde eram tomadas as decisões mais importantes. Ou seja, além de continuar influenciando politicamente, eles mantiveram o status que tinham antes da descoberta.

As palavras de La Malinche

O mito de que a falta de comunicação levou ao massacre indígena

Foi na praça central da cidade inca de Cajamarca que Pizarro e Atahualpa se viram pela primeira vez, em 1532, numa espécie de versão peruana do encontro entre Montezuma e Cortez. Ao lado do conquistador, menos de 200 homens armados pareciam não temer os mais de 5 mil nativos leais ao imperador. E, de fato, eles não tinham porque se intimidar: a maioria dos locais não possuía uma arma sequer. O primeiro espanhol a se aproximar de Atahualpa foi um frei dominicano que segurava uma pequena cruz numa das mãos e a Bíblia na outra. Em poucos minutos, a batalha havia começado. Mas, apesar da desvantagem numérica, os invasores conseguiram dizimar um terço dos nativos. Atahualpa foi capturado.

Há várias versões sobre os motivos que causaram a briga e sobre como a batalha de Cajamarca começou. Francisco de Jerez, presente no local, escreveu que o imperador atirou a Bíblia ao chão, porque não a entendia. A blasfêmia teria sido o motivo para Pizarro dar o sinal de ataque. Na versão inca, no entanto, a ofensa partiu dos espanhóis, que teriam se recusado a tomar uma bebida sagrada oferecida por Atahualpa.

É praticamente impossível saber o que aconteceu de fato naquele dia, mas o encontro sangrento entre incas e espanhóis é um bom exemplo de como as supostas falhas na comunicação serviram para justificar as ações dos europeus e, por consequência, a própria conquista. Mas estas falhas não eram tão frequentes assim. O diálogo entre Montezuma e Cortez, por exemplo, apesar de ter gerado diferentes interpretações, mostra que os dois lados podiam se entender muito bem. Isso graças a uma figura central durante todo o processo de colonização: os intérpretes. O papel deles foi tão importante que um dos principais procedimentos de guerra era justamente encontrar e “formar” tradutores. Alguns destes tradutores se deram tão bem que alcançaram status inimagináveis para um nativo. Receberam encomiendas e chegaram a ser citados nas cartas enviadas ao rei. O exemplo mais famoso é o de La Malinche, a amante e intérprete que acompanhou Cortez durante anos e esteve presente no encontro com Montezuma.

O fim dos índios

O mito de que a conquista só trouxe desgraça para os nativos

A derrota de Cortez era inevitável. Havia horas que ele e seus guerreiros lutavam contra a união de três exércitos inimigos na grande praça central de Tlaxcala, uma comunidade nativa aliada aos espanhóis, e a derrocada do conquistador se aproximava a cada golpe. Finalmente ele seria vencido. E foi mesmo. Ainda no chão, Cortez pôde ouvir os aplausos efusivos da plateia. Aquela encenação do dia de Corpus Christi ficou conhecida como o evento teatral mais espetacular e sofisticado do ano de 1539. Numa curiosa inversão de papéis, o conquistador interpretou o Grande Sultão da Babilônia e Tetrarca de Jerusalém. O papel dos reis da Espanha, Hungria e França ficou com os nativos da comunidade.

O Corpus Christi de Tlaxcala não foi o único festival do século 16 no Novo Mundo. A imensa maioria das colônias da Mesoamérica e dos Andes encenou, dançou e até representou as batalhas contra os espanhóis. Muitas dessas manifestações culturais sobrevivem até hoje. Mas o curioso é que o objetivo não era reconstruir a conquista como algo traumático. Ao contrário. Para os nativos, os festivais significavam uma celebração de sua integridade e vitalidade cultural. “Eram eventos que transcendiam aquele momento histórico particular e não estavam associados à lembrança de algo ruim. Até porque o sentimento de derrota não era algo comum a todos os povos nativos”, afirma Restall.

Manifestações desse tipo eram apenas uma das formas pelas quais os nativos mostravam que o impacto da conquista não foi tão traumático quanto sugere boa parte da retórica comum. Muitas comunidades mantiveram seu estilo de vida e outras tantas evoluíram rapidamente com a necessidade de se adaptar às novas tecnologias e demandas trazidas pelos espanhóis. Aprenderam novas formas de contar, construir casas, planejar cidades e, sobretudo, guerrear. Assim, houve nativos que enriqueceram com o comércio de alimentos e com o aluguel de mulas. O povo Nahua, por exemplo, depois de lutar ao lado dos espanhóis por anos, organizaram campanhas militares próprias e expandiram seus domínios para além das terras onde hoje estão Guatemala, Honduras e parte do México.

Macacos e homens

O mito da superioridade e da predestinação dos europeus

“Os espanhóis têm a governar estes bárbaros do Novo Mundo. Eles são em prudência, ingenuidade, virtude e humanidade tão inferiores aos espanhóis quanto às crianças são para os adultos, e as mulheres, para os homens”, escreveu o filósofo Juan Ginés de Sepúlveda, em 1547. O mito da superioridade espanhola é visto em todos os relatos do período colonial. Para Restall, ele vem desde as primeiras expedições e está ligado à justificativa de que os europeus tinham a aprovação divina para conquistar novas terras. Eles acreditavam que eram os escolhidos de Deus, os encarregados de levar o cristianismo a outros povos.

Existem outros fatores, no entanto, que ajudaram a perpetuar este mito. Um deles combina a crença de que os nativos seriam incapazes de evitar a invasão dos europeus porque eles (os nativos) também acreditavam que os espanhóis eram deuses. De fato, os povos americanos enxergavam os conquistadores como seres poderosos, mas em nenhum momento – nem mesmo nos relatos dos cronistas do período colonial – os nativos comparam os espanhóis a seres supremos, ou deidades. Além disso, a diferença brutal entre as armas dos dois grupos também ajudou a construir a ideia da superioridade espanhola.

Mas Deus não foi o principal aliado dos espanhóis. A expansão dos europeus só foi possível graças a três fatores. O primeiro e mais determinante foram as doenças que os estrangeiros trouxeram. Sem oferecer nenhuma resistência para varíola, sarampo e gripe, os nativos morreram tão rápido que em poucas décadas tribos inteiras foram extintas. O impacto das epidemias foi tão devastador que, um século e meio após a chegada de Colombo, a população de nativos havia caído mais de 90%. Os astecas sentiram o poder desses males. “As ruas estavam tão cheias de gente morta e doente que nossos homens caminhavam sobre corpos”, escreveu o padre Bernardino de Sahagún, quando os conquistadores tomaram Tenochtitlán.

O segundo aliado foi a desunião dos nativos. A rivalidade entre diferentes grupos étnicos e intrigas entre vizinhos levou dezenas de milhares de pessoas a lutarem ao lado dos espanhóis. As armas que os conquistadores trouxeram para estas batalhas são o terceiro fator mais importante. Nas primeiras expedições, várias delas fizeram diferença. Cavalos e até cachorros acabaram entrando nos campos de batalha. Mas a mais eficiente foi mesmo a espada, mais longa e resistente que os machados dos nativos. No campo da guerra, Matthew Restall considera ainda um outro fator. Os nativos lutavam em sua própria terra. Precisavam, portanto, proteger a família, defender suas casas, pensar no plantio, calcular a colheita e fazer o possível para não deixar que a guerra prejudicasse e interferisse no seu dia-a-dia. Por isso, eles sempre estiveram mais dispostos a negociar e a protelar os confrontos com os conquistadores. Já os espanhóis não tinham muito a perder. Basicamente, precisavam se preocupar apenas com suas próprias vidas. E com o que teriam de fazer para continuar conquistando novas cidades e acumulando mais riquezas.

 Avarez

Césares russos

De uma pequena fração de terra ao maior país do mundo, os czares fizeram a Rússia. Opulentos, autoritários e vingativos, eles criaram uma unidade nacional e governaram por mais de mil anos

Eduardo Szklarz

Eram 2 da manhã quando Nicolau II foi despertado naquele 17 de julho de 1918. O último "imperador de todas as Rússias" agora era prisioneiro dos revolucionários bolcheviques numa casa de Ecaterimburgo, oeste do país. Nicolau foi conduzido com a mulher, o filho, as quatro filhas, o médico e os empregados para um quartinho dos fundos, onde 12 homens os esperavam com armas na mão. Depois do fuzilamento, o pelotão se assustou ao ver que as filhas continuavam vivas - as balas ricochetearam nas jóias costuradas em seus vestidos. O jeito foi terminar o "serviço" com golpes de baioneta.

Era o fim dos 300 anos da dinastia Romanov. Era também o fim de quatro séculos de domínio dos czares - déspotas com autoridade ilimitada sobre cada um de seus súditos. Ao longo da História, líderes eslavos, sérvios e tártaros também receberam o título de czar (derivado dos "césares" de Roma), mas na Rússia ele adquiriu caráter especial. Usando uma mescla de terror e nacionalismo religioso, os czares russos transformaram um reino minúsculo numa potência mundial e expandiram seu território até ter o dobro do tamanho do Brasil.

Para alguns historiadores, porém, o czarismo não morreu com Nicolau II. Seus métodos autoritários prosseguiram na era soviética e ainda fazem a cabeça dos líderes do Kremlin.

Moscóvia

A semente do czarismo foi plantada no século 9, quando o chefe viking Riurík fundou uma dinastia em Nov-gorod, no noroeste da atual Rússia. Seus descendentes ampliaram o reino até Kiev (Ucrânia), converteram-se à fé ortodoxa - ramo do cristianismo que rompeu com o catolicismo romano no século 11 e se espalhou nos domínios do Império Bizantino. Os descendentes de Riurík usaram o termo "Rus" para descrever seu povo e sua terra. No fim do século 12, o reino se fragmentou em principados rivais e as disputas favoreceram a invasão de Rus pelos tártaros - um povo turco muçulmano que pertencia ao império mongol.

"Os tártaros queimaram cidades e mataram milhares. Naquela época de intensa devoção, os russos pensaram que era um castigo divino", diz o historiador Ronald Hingley, da Universidade de Oxford. Os invasores pouparam o principado de Novgorod, com a condição de que seu príncipe, Alexandre Nevsky, lhes pagasse altos tributos. Foi quando tudo começou. Daniel, filho de Alexandre, tornou-se príncipe de um vilarejo chamado Moscou - e começou a anexar terras. As conquistas tiveram sinal verde dos tártaros, mais preocupados em incentivar as brigas entre os principados fortes. Em troca, os moscovitas obedeciam e pagavam impostos. Resultado: em sete décadas, o reino de Moscóvia cresceu oito vezes. Em 1326, desbancou Kiev como sede da Igreja Ortodoxa. Seus líderes adotaram o título de vseya Rusi ("de toda a Rus"), traduzido em geral como "de todas as Rússias". A essa altura, Moscou já fugia ao controle dos tártaros e criou um regime autoritário cujo príncipe, chamado de czar desde meados do século 15, governava com o apoio de uma facção aristocrática.

"A política de Moscóvia se parecia com a de Al Capone: para vencer os outros reinos, seus líderes tinham de ficar unidos e reconhecer o poder absoluto do príncipe. A crueldade e a unidade eram recompensadas, e os principais clãs se beneficiavam da expansão", diz Dominic Lieven, professor de História Russa na London School of Economics. "Sobre essa política de estilo gângster, a Igreja Ortodoxa carimbou um selo de aprovação." O czar contava com autoridade ilimitada pois seu poder emanava de Deus. A igreja se beneficiava do aumento do poderio russo, pois crescia dentro do cristianismo.

Nos 600 anos seguintes, o principado de Moscou cresceria até ocupar um sexto do planeta. E seus habitantes veriam na monarquia absoluta a única forma de evitar o caos.

A saga dos Ivãs

Talvez o czar moscovita mais eficiente tenha sido Ivã III. Em 43 anos de governo, ele explorou as rivalidades dos tártaros do mesmo jeito que eles tinham feito com os russos. Insuflou o nacionalismo entre o povo e quadruplicou o tamanho do reino. Depois festejou a glória ampliando a construção do Kremlin, a fortaleza que até hoje abriga o governo russo. Não foi à toa que ele ficou conhecido pela alcunha de Ivã, o Grande.

Com a conquista de Constantinopla (Bizâncio) pelos turcos, em 1453, Moscou se proclamou centro da cristandade e herdeira do Império Romano do Ocidente (Bizantino). "Moscou, a terceira Roma!", ouvia-se agora no Kremlin. Ivã III também inaugurou a prática de deportações em massa, que seriam usadas pela União Soviética. Sua crueldade seria mantida por seu filho Vassily III e passaria dos limites com seu neto Ivã IV - chamado também de "o Terrível."

"Ivã IV integra o grupo de superlíderes russos ao lado de Pedro, o Grande, Catarina, a Grande, Lênin e Stálin", diz Hingley. "Todos aplicaram o terror em defesa de si e do regime. Mas enquanto Pedro, Catarina e Lênin se limitaram a objetivos políticos, Ivã IV e Stálin praticaram uma matança extravagante que desafia qualquer compreensão."

O terrível rebento tinha só 3 anos ao ser escolhido czar, e por isso sua mãe assumiu o trono. Com a morte dela (supostamente envenenada), o país virou palco de lutas entre os boiardos, nobres proprietários de terras. Eles supervisionaram a criação de Ivã, maltratando-o a ponto de fazê-lo passar fome, o que não explica completamente a brutalidade do futuro príncipe. Para muitos pesquisadores, ele sofria surtos de paranoia.

Certo é que Ivã IV se casou com a princesa Anastácia em 1547, ano em que foi coroado oficialmente com o título de "Czar de Toda a Rússia" e ficou conhecido como "o primeiro czar". Seu reinado começou bem: ele derrotou os tártaros e expandiu seus domínios no leste até o mar Cáspio e a Sibéria, transformando Moscóvia num estado multiétnico. Após matar boa parte dos boiardos, vingando os maus-tratos que sofrera na infância, ele deu espaço político a pessoas comuns, como artesãos, professores e profissionais liberais, ao criar o Zemsky Sobor (Assembleia da Nação), que também reunia membros do clero e da nobreza. Mas a morte de Anastácia, também supostamente envenenada, em 1560, provocou um piripaque na cabeça do monarca. Ele prendeu seus conselheiros e abriu fogo contra o povo. O terror ficou a cargo da Oprichnina, um esquadrão de cavaleiros vestidos de preto e com carta-branca para matar quem quisessem. Ao contrário dos outros czares, Ivã IV presenciava as execuções e maquinava formas de morte. Em 1570, uma plateia em Moscou viu como ele e seus homens desmembravam e ferviam vítimas suspeitas de traição.

Ivã IV casou com outras seis mulheres sem se firmar com nenhuma, e ainda se meteu numa guerra suicida contra suecos, poloneses e lituanos. Queria obter acesso ao mar Báltico, mas acabou derrotado. Tanto deslize favoreceu outra invasão de Moscou pelos tártaros. Desavenças na família também causaram uma tragédia pessoal: num de seus ataques de fúria, o czar golpeou seu filho Ivã Ivanovich na cabeça com uma bengala de ferro, matando-o. Amargaria essa dor por toda a vida. O maior mistério em torno de Ivã IV foi sua enorme popularidade. Embora tenha matado mais camponeses que boiardos, ele seria lembrado na URSS como caçador de nobres. Não é à toa que Stálin gostava de comparar a Oprichnina com a polícia secreta soviética, a NKVD (depois KGB).

A era Romanov

Passado o furacão Ivã, os boiardos voltaram a brigar pelo poder, provocando uma época de devastação e pilhagens conhecida como "Tempo dos Problemas". A dureza só terminou em 1613, quando a Assembleia da Nação escolheu o novo czar: Mikhail Romanov - o primeiro de uma dinastia que duraria 300 anos.

Nenhuma dinastia dura tanto tempo sem intrigas. Foi assim com Pedro I e sua irmã Sofia. Como ele tinha só 9 anos ao ser coroado, em 1682, ela virou regente. Aos 17, Pedro viu que a irmã queria tirá-lo da jogada e, com o apoio da nobreza, confinou-a num convento. Assumiu com um grande objetivo: transformar a Rússia num Estado europeu moderno.

Assim, Pedro I organizou o Exército e a Marinha, estabeleceu relações com outros países e traduziu livros para o russo. Também derrotou os suecos em 1709 na batalha de Poltova.Ela marcou a conquista da supremacia russa no nordeste da Europa e a entrada do país no clube das grandes potências. Mais: Pedro I conquistou parte da Estônia e chegou à sonhada costa do Báltico - no extremo mais próximo ao restante da Europa. Lá fundou São Petersburgo e fez dela a capital da Rússia, deixando claro que o reino de Moscóvia era coisa do passado. Assim levava adiante seu projeto de aproximação da cultura europeia, que se refletiu na arquitetura da cidade. Ele acreditava que a formação da Rússia moderna deveria se guiar no modelo das nações europeias, o que causou uma grande cisão cultural no país. De um lado estavam os "ocidentalistas", que apoiavam Pedro; de outro, os "eslavófilos", que rejeitavam as reformas liberais e queriam resgatar o passado idílico, rural e autóctone russo. Além disso, a mudança da capital para São Petersburgo mergulhou a aristocracia em excessos palacianos nos moldes de Versalhes. Tudo isso contribuiu para o enfraquecimento da corte na Revolução de 1917.

Ao botar uma pá de cal em Moscóvia, Pedro proclamou o Império Russo e assim ganhou três títulos: imperador de toda a Rússia, grande pai da terra e Pedro, o Grande. Por trás de toda essa pompa, estava o aparato brutal de sua guarda militar, a Preobrazhensky. "A longa história da Rússia como uma burocracia terrorista começou de fato com o imperador", diz Hingley.

Ao contrário de Ivã IV, Pedro I era frio, racional. Foi assim que lidou com o rebelde mais famoso do reino: seu filho Alexis, que não aguentou as cobranças do pai e fugiu da Rússia, mas foi caçado. "Seu pai o matou a sangue-frio, ao contrário do surto que levou Ivã a matar o filho dele", afirma Hingley.

No fim das contas, o grande "modernizador" não se importou com os camponeses. Ao contrário: manteve-os na servidão, como meros objetos pertencentes ao Estado e aos nobres. Enquanto a elite russa se parecia cada vez mais com a europeia, a massa ainda vivia na Idade Média.

Catarina, a Grande

Frederica Sofia era uma princesinha sem grandes chances de subir na vida. Seu pai era um dos tantos nobres decadentes da Prússia do século 18. Mas, aos 15 anos, a czarina Isabel a convidou para conhecer seu sobrinho, o príncipe herdeiro Pedro III, neto de Pedro, o Grande. Isabel achava que ela seria mais dócil que uma nobre de alta linhagem para se casar com o futuro czar. Ledo engano!

Para realizar a boda, Sofia se converteu à fé ortodoxa e passou a se chamar Catarina. Mas o casamento logo azedou. Além de obcecado pela disciplina prussiana, Pedro era imaturo e impotente. Ou estéril, como diziam os fofoqueiros da corte. Seja como for, os dois não se bicavam - e ela decidiu disputar o trono sozinha. "Catarina sabia que só seria aceita se parecesse russa. Passava noites aprendendo o novo idioma", diz Henri Troyat na biografia Catarina, a Grande.

Quando Pedro III assumiu o trono, Catarina sentiu o perigo: o marido a deixaria para se casar com outra. Mandou então seu amante Grigori Orlov, membro da guarda imperial, dar cabo do czar. O clero e a nobreza apoiaram o golpe e aclamaram a nova imperadora: Catarina II. Ela estabilizou o reino e conquistou prestígio entre os europeus. Também abocanhou terras da Turquia, coisa que nem Pedro, o Grande, havia feito.

Mas ai de quem criticasse seu governo. O escritor Alexandre Radishchev foi exilado na Sibéria. Já Yemelyan Pugachov, líder de uma rebelião dos cossacos, terminou esquartejado. E, quanto mais poderosa Catarina ficava, mais amantes ela tinha (leia quadro na pág. 30). "Em 1796, seu filho Paulo I a sucedeu disposto a reverter tudo o que a mãe havia feito. Os dois se odiavam", diz Troyat. De fato, Paulo anistiou Radishchev, prestou homenagens ao pai (Pedro III) e baixou regras prussianas. Por exemplo, proibiu o uso de chapéus redondos e ternos à francesa. Até hoje ninguém sabe quem mandou matá-lo, ou quem foi seu pai biológico. Só se sabe que seu filho Alexandre I, o neto querido e protegido da czarina Catarina, não perseguiu seus assassinos ao assumir o trono.

Gigante de papel

A Rússia entrou no século 19 cheia de contradições. Seus canhões causavam medo, mas seus 14 milhões de habitantes continuavam na miséria. Somariam 60 milhões em 1835, graças à anexação de terras - 95% deles viviam no campo. Era preciso modernizar o país, mas isso ameaçava o poder dos czares. Como dar liberdade ao povo sem perder o controle da nação?

Esses foram os dilemas de Alexandre I, o czar que botou para correr as tropas do general francês Napoleão Bonaparte e desfilou triunfante em Paris. A vitória aumentou a autoestima russa, mas colocou as tropas em contato com as ideias da Revolução Francesa. Os oficiais voltaram para casa querendo um sistema constitucional. E os soldados, emancipação. Alexandre I até falou em reformas liberais, mas era tudo fachada. Sua maior preocupação foi consolidar a Rússia como peça-chave do Congresso de Viena - o pacto celebrado pelas potências europeias em 1815 para restaurar a monarquia após a derrota de Napoleão. Ao lado da Prússia e da Áustria, ele fundou a Santa Aliança para reprimir as revoluções no continente em nome da fé cristã.

A tarefa continuou com seu irmão Nicolau I, outro czar que sonhava transformar a Rússia em cão de guarda da Europa. Mas ficou só no sonho: várias revoluções surgiram em 1848 e puseram fim à Santa Aliança. Nicolau I foi derrotado por ingleses, franceses e turcos na Guerra da Crimeia - prova da fraqueza russa. Faltava tudo, de locomotivas a munição. E faltava acabar com a servidão. Foi o que fez Alexandre II, filho de Nicolau I. "Ele libertou mais escravos que o presidente americano Abraham Lincoln, e sem guerra civil no meio", diz Hingley. Mas as mudanças só jogaram mais água no caldeirão revolucionário. Os socialistas diziam que os libertos viraram escravos da burguesia. Alexandre II escapou de vários atentados até que, em 1881, foi dilacerado por uma granada caseira.

O fim

Não era fácil ser czar no século 20. Alexandre III sabia que não repetiria as façanhas de seus antepassados. Ele bem que tentou reviver a trilogia "autocracia, ortodoxia e nacionalismo", mas em vão. Pouca gente ainda aceitava que a vontade do czar era a vontade de Deus. E outra: insuflar o nacionalismo num império multiétnico, onde apenas 46% dos habitantes eram russos, apenas acionou uma bomba-relógio. Enquanto o movimento revolucionário crescia, os monarcas culpavam os judeus pela crise e matavam milhares nos pogroms, massacres em pequenos vilarejos de israelitas. Entre 1880 e 1920, cerca de 2 milhões de judeus russos emigraram para as Américas fugindo dessas perseguições.

A hora da implosão estava perto. Em 1904, a Rússia cambaleou numa guerra contra o Japão. Em 1905, centenas de manifestantes morreram ao exigir liberdade em São Petersburgo - num dia lembrado como Domingo Sangrento. Em 1917 não teve jeito: Nicolau II abdicou. Foi fuzilado por ordem de Vladimir Lênin, líder dos bolcheviques. Era a vez deles de derramar sangue. A URSS impôs uma nova ideologia, mas manteve a velha lógica: quanto mais inocentes matasse, menores as deserções e maior a certeza de que todos marchariam rumo à vitória final. Durou 70 anos. Hoje, especialistas veem ares de czar no ex-KGB, ex-presidente e atual primeiro-ministro russo Vladimir Putin. "A Rússia abraçou outra vez o czarismo por várias razões. O país tem longa tradição de um poder indivisível e quase sagrado. A democracia é um conceito negativo no imaginário popular, sinônimo de um pode-tudo onde só os ladrões prosperam. Além disso, a maioria das pessoas associa estabilidade com um líder forte", diz Dmitri Trenin, ex-oficial do Exército russo e diretor do Centro Carnegie de Moscou.
O Kremlin exerce controle cada vez maior sobre as TVs e o Parlamento, enquanto jornais estão sendo comprados por empresários amigos do governo. Coisas de czar...


Os amantes de Catarina
A czarina era ninfomaníaca e não podia viver nem uma hora sem amor

Ter amantes era uma prática comum na corte imperial russa. Mas Catarina II foi insuperável. Aos 23 anos, depois de oito sem dividir a cama com o marido, Pedro III, ela conheceu os prazeres da carne com o jovem Sergei Saltikov. "Ele era lindo como o dia", escreveu Catarina em suas memórias, dando a entender que o mancebo era o pai de seu filho, Paulo I. Saltikov se cansou da imperadora, mas muitos outros viriam. "Minha desgraça é que meu coração não pode se contentar nem uma hora se não tem amor", ela confessou em seu diário. Sorte de Estanislao Poniatowski, um virgem de 23 anos enviado pelo embaixador inglês. Foi o brinquedinho de Catarina, que passou a gastar fortunas com seus amantes. De todos, o mais poderoso foi o tenente Grigori Potiomkin. Ele influía nas decisões da czarina, e talvez tenha sido o único que ela amou. "Potiomkin vivia no palácio. Só precisava dar dois passos, subir uma escada e já estava no aposento real. Chegava desnudo por baixo da bata", diz o biógrafo russo Henri Troyat. Quando o sexo esfriou, Potiomkin passou a selecionar os novos "favoritos".
Ser "favorito", aliás, era uma profissão. O sujeito recebia salário, e quando deixava de agradar era indenizado com terras, rublos e escravos. "Em seguida, abandonava discretamente seus aposentos, enquanto Potiomkin escolhia o substituto", diz Troyat. "O novo candidato era examinado por um médico e depois submetido a uma prova íntima com uma condessa, que passava um relatório a Catarina. Só então ela tomava a decisão."

Revolta dezembrista
Mal-entendido provocou levante popular com consequências trágicas

O império russo viveu uma bela trapalhada em 1825, e tudo por causa de um mal-entendido. Naquele ano, o czar Alexandre I morreu sem deixar herdeiro direto. Quem devia então assumir o trono era seu irmão Constantino I, vice-rei da Polônia. Mas Constantino não queria saber de ser rei. Havia firmado um manifesto no qual transferia esse direito ao irmão mais novo, o belicoso Nicolau I. O problema é que ninguém sabia do documento, cujas cópias ficaram mantidas em segredo no Senado e no Santo Sínodo (cúpula ortodoxa). "Nicolau ignorava o manifesto e jurou fidelidade a Constantino. Só uma renúncia oficial do irmão poderia fazê-lo assumir", diz o biógrafo russo Henri Troyat. Assim, enquanto Constantino demorava para se pronunciar, Nicolau ficava sem ação, sabendo que era mais impopular que o irmão. Quando Nicolau finalmente assumiu, as tropas do Exército já tinham jurado lealdade a Constantino.

Foi no meio dessa sinuca que eclodiu uma revolta em São Petersburgo. Os líderes eram oficiais que queriam instaurar uma monarquia constitucional nos moldes europeus, e achavam que era seu dever defender Constantino contra o irmão. Em 14 de dezembro, milhares de revoltosos se uniram ao levante e invadiram a praça do Senado. Com armas na mão e vodca na cabeça, eles gritavam a favor de Constantino e da Constituição. "Alguns achavam que a Constituição era mulher de Constantino", afirma Troyat. Mal liderados, os rebeldes não avançaram para tomar o poder. Tampouco obedeceram as ordens de Nicolau de cair fora da praça. O czar ordenou que se abrisse fogo contra a multidão, resultando em dezenas de mortos (talvez mais), 3 mil presos, cinco enforcamentos e centenas de exilados na Sibéria. Tudo por culpa de um mal-entendido.

Ovos Fabergé
Joia personalizada era ofertada na Páscoa no lugar do ovo tradicional

Entre os objetos que simbolizam a opulência dos czares russos, nenhum é tão rico em detalhes e surpresas quanto os ovos de Fabergé. Fabricados pelo ourives que deu nome às peças, eram verdadeiras joias em formato ovalado. A história começa quando o czar Alexandre III quis surpreender sua esposa, a czarina Maria Feodorovna, na Páscoa de 1885. Um dos rituais dos seguidores da Igreja Ortodoxa era trocar ovos na celebração da reencarnação de Cristo, como se faz em todo o mundo católico, nos dias de hoje. Mas antigamente os ovos eram de galinha mesmo, e não de chocolate. O detalhe era adorná-los com pinturas. Quando o czar encomendou um ovo de ouro, a Páscoa da dinastia Romanov nunca mais foi a mesma. A cada ano, Fabergé fabricava um ovo mais caprichado, elaborado com esmalte, metais e pedras preciosas. Os ovos sempre continham surpresas em seu interior, que às vezes recontavam episódios da história russa e conquistas do exército ou reproduziam grandes obras arquitônicas. Em 2007, um exemplar foi leiloado por 18,7 milhões de dólares.

Fonte: https://abr.ai/1j7vBGJ

Beijo

A vida infernal de Dante

No século 14, ele escreveu os versos mais famosos do mundo e fundou a língua italiana moderna. Mas, em vez de ser aclamado em seu tempo, o poeta foi perseguido e acabou morrendo no exílio.

Isabelle Somma

De alguma forma, todos os criadores de “mundos virtuais” em Hollywood e na indústria de jogos eletrônicos são herdeiros do gênio criativo de Dante Alighieri. A diferença é que o universo descrito por Dante em sua obra poética Divina Comédia permanece vivo no imaginário do Ocidente há mais de 700 anos. “Ele teve um papel revolucionário ao mudar os padrões da representação medieval da realidade”, diz Giuseppe Mazzotta, professor de Literatura e Língua Italiana da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, e presidente da Sociedade Dante da América. “A Divina Comédia não era mais uma daquelas histórias de cavaleiros imaginários.”

No livro, com ajuda do poeta clássico Virgílio (seu guia durante parte da “viagem”), Dante percorre os diversos níveis do Inferno, do Purgatório e do Paraíso. Sua descrição dessas três áreas é tão vívida que serviu de inspiração a pintores de todas as épocas, dos góticos aos modernistas. De quebra, sua obra é considerada fundadora da língua italiana moderna. É que, ao optar por escrevê-la em italiano vulgar (na época, o latim ainda era a língua clássica da literatura), Dante deu o empurrão para a difusão do idioma que hoje é escrito e falado pelos tetracampeões mundiais. Não é à toa que até quem nunca leu uma linha de sua Divina Comédia – que, aliás, não é nem um pouco engraçada – conhece a expressão “inferno de Dante” para descrever um lugar (ou uma situação) de sofrimentos intermináveis. O adjetivo “dantesco” continua sendo usado como sinônimo de horrores diabólicos.

O que nem todo mundo sabe é que a vida do próprio Dante foi um drama repleto de tragédias provocadas por desencantos amorosos e ferrenhas disputas políticas que culminaram com um melancólico fim de vida no exílio. Sua trajetória pessoal seguiu o rumo oposto ao percorrido por ele na Divina Comédia. Enquanto o Dante da ficção começa sua saga no Inferno e vai até o Paraíso, o Dante real foi feliz quando jovem e amargou um profundo sofrimento na velhice.

Paraíso (1265-1302)

Além dos relatos de que ele nasceu em Florença em 1265 e perdeu a mãe aos 5 anos de idade, sendo educado por tutores religiosos, os primeiros anos da vida de Dante continuam envoltos em mistério. Mas os pesquisadores sabem ao menos que o fato mais significativo dessa época, que iria marcá-lo para o resto da vida, não teve nada a ver com a morte da mãe – e sim com uma paixão precoce fulminante. Tudo aconteceu nas ruas de Florença quando ele tinha apenas 9 anos e viu uma bela menina chamada Beatriz. Foi amor à primeira vista. O problema é que, apesar de ainda ser uma criança para os padrões de hoje, Dante já estava comprometido com uma noiva, Gemma Donati, num relacionamento arranjado por seu pai. Respeitando a vontade familiar, eles se casaram aos 14 anos. A união renderia três filhos, mas nunca contaria com a entrega total do poeta.

Quando completou 18 anos, Dante teve um último encontro com a amada Beatriz. Ao vê-lo em uma rua de Florença, sua musa teria apenas acenado. Depois desse gesto, o convívio entre os dois acabou sem que eles jamais tivessem trocado uma palavra. Até hoje os biógrafos não têm certeza sobre a verdadeira identidade do amor de Dante – especula-se que a jovem fosse Beatriz Portinari, que se casou com um aristocrata florentino. Inspirado por ela, Dante passou a estudar filosofia e escreveu os versos de Vida Nova, um texto com referências autobiográficas. “Apesar de os eventos desse pequeno livro não serem relatos confiáveis da vida de Dante, eles sugerem que uma das principais ocupações dele durante o fim de sua adolescência e começo da idade adulta era pensar e escrever sobre Beatriz”, afirma Ronald Martinez, tradutor da Divina Comédia para o inglês e professor de Literatura Italiana na Universidade de Brown, nos Estados Unidos.

Em 1290, Dante recebe a notícia da morte de Beatriz. Como ele ainda estava escrevendo a obra Vida Nova, seu livro incorporou vários poemas angustiados sobre a perda de sua musa inspiradora. No último capítulo, o poeta faz uma promessa: nunca mais escreveria nada sobre Beatriz até que fosse capaz de dedicar a ela algo que “nunca tivesse sido escrito sobre nenhuma mulher”. A promessa foi cumprida anos depois, com sua Divina Comédia.

Assim que Beatriz morreu, o poeta já havia trocado o latim pelo italiano em seus textos, tendo sido provavelmente inspirado por outros intelectuais da época, como o escritor Guido Cavalcanti, que se tornou seu grande amigo. Outro amigo teria sido o filósofo Brunetto Latini, ex-professor de Dante e referência entre os pensadores florentinos do século 13. Apesar da amizade que mantinha com ambos, Dante colocou Latini e o pai de Cavalcanti no Inferno da Divina Comédia.

Mas seu destino trágico seria selado ao se envolver com a violenta e corrupta política florentina, cujas disputas, naquela época, costumavam ser resolvidas em conflitos armados. Nesse tempo, a Itália não passava de um amontoado de cidades-estados autônomas que viviam guerreando entre si. Como toda a região, Florença estava dividida entre os partidários do papa, chamados de guelfos, e os que apoiavam o imperador do Sacro Império Romano, chamados de guibelinos – dois séculos depois de Dante, a rivalidade entre os dois grupos inspiraria o inglês William Shakespeare a criar os Capuletto e os Montecchio de Romeu e Julieta.

Após a vitória dos guelfos, grupo do qual Dante fazia parte, o futuro parecia promissor para o jovem poeta. O problema é que, uma vez no poder, os guelfos passaram a brigar entre si, divididos em duas facções: os neri (“negros”, em italiano), que apoiavam uma influência maior do Vaticano na cidade, e os bianchi (“brancos”, à qual a família Alighieri pertencia), que lutava por maior autonomia para Florença.

Apesar da disputa entre as facções, Dante consegue ser eleito, aos 35 anos, para o cargo de prior da República de Florença (a cidade era governada por seis priores, “presidentes” organizados num conselho). Mas, ao chegar ao poder, ele teve que tomar algumas decisões duras. A primeira foi expulsar líderes políticos que ainda tumultuavam a cidade. Entre os bianchi exilados estava seu grande amigo Guido Cavalcanti, e, entre os neri, Corso Donati, parente de sua mulher e aliado de primeira hora do papa. Para piorar a situação, o papa Bonifácio VIII estava furioso com a autonomia dos priores de Florença, que desafiavam sua autoridade. Daí em diante, o futuro de Dante seria nada promissor.

Purgatório (1302-1313)

Em 1301, forças francesas estavam às portas de Florença. Diante da ameaça, Dante foi ao Vaticano pedir ao papa que convencesse o exército francês a não ocupar a cidade. Mas Bonifácio VIII não tinha a mínima intenção de ajudar. Na verdade, ele iria apoiar a invasão. A comitiva de Dante foi liberada, mas o papa o obrigou a ficar no Vaticano. O pontífice temia que, se retornasse a Florença, o poeta poderia denunciar sua aliança com a França.

Na ausência de Dante, os franceses entraram na cidade e permitiram que os Neri, opositores de Dante, retomassem o poder. No início de 1302, depois de se recusar por duas vezes a se apresentar diante do novo governo florentino, Dante teve seus bens confiscados e foi condenado ao exílio e à morte (caso fosse encontrado no exterior por soldados de Florença). “O banimento para o resto da vida foi justificado com falsas acusações de corrupção”, afirma Jeffrey Schnapp, professor de Literatura na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. “Dante era uma figura muito proeminente para algum dia voltar à cidade enquanto seus inimigos estivessem no poder.”

Em tempos sem telefone, internet ou mesmo um serviço de correio regular, ser desterrado era uma punição gravíssima. “Para o mundo pré-moderno, não havia punição mais severa do que o exílio. Em um sentido muito real, era uma sentença de morte em um tempo em que a mobilidade – de capital, pessoas, poder – era extremamente limitada”, diz Schnapp. Os anos de exílio foram amargos. Dante nunca mais viu sua mulher e apenas muitos anos depois conseguiu reatar contato com seus filhos.

Logo depois da expulsão, o poeta iniciou uma campanha para juntar tropas com o objetivo de retomar o poder sobre Florença, mas acabou desistindo da ideia. A partir daí, miserável, vagou de cidade em cidade, entre elas Pádua, Verona e Lucca. “Ele literalmente mendigava e oferecia seus serviços nas cortes de vários senhores no norte da Itália: como secretário, escrivão de documentos, embaixador etc.”, afirma Giuseppe Mazzotta.

Em 1310, o líder do Sacro Império Romano, Henrique VII de Luxemburgo, estava prestes a invadir a Itália. Dante viu no maior adversário do papa um possível libertador de Florença. Para ajudá-lo, iniciou uma campanha, escrevendo cartas públicas em que incitava o imperador a atacar sua cidade natal. Seu objetivo não era que Florença fosse destruída, apenas que seus inimigos fossem expulsos do poder. Mas o teor dos textos não agradou em nada os florentinos. Com a ameaça de invasão, o governo de Florença perdoou a facção dos bianchi, permitindo o retorno de todos eles. Com exceção de um: Dante Alighieri.

Inferno (1313-1321)

Quando Henrique VII morreu, em 1313, as últimas esperanças que Dante tinha de retornar a Florença terminaram. Segundo Karl Kossler, autor de An Introduction to Dante and His Times (“Uma introdução a Dante e seu tempo”, inédito no Brasil), a morte do imperador foi o episódio mais doloroso da vida do poeta, superando até a morte de Beatriz. Segundo Kossler, foi após esse acontecimento que o poeta pôs-se a escrever o livro que chamou de Comédia – e que só ganharia o adjetivo “divina” no século 16.

Antes de morrer, contudo, Dante teve duas chances de ser perdoado. A primeira proposta dizia que ele poderia retornar a Florença, desde que aceitasse pagar uma multa e participar de uma cerimônia religiosa em que seria tratado como inimigo público. Dante preferiu o exílio. Da segunda vez, propuseram revogar sua sentença de morte. Em troca, o poeta deveria jurar que jamais pisaria em Florença novamente. Dante deu de ombros. Como punição, o exílio se estendeu a seus filhos. Expulsos da cidade, eles, pelo menos, tiveram a oportunidade de se reencontrar com o pai.

Dante passou os últimos três anos de sua vida em Ravena. Ali terminou a Divina Comédia e morreu aos 56 anos, em setembro de 1321, provavelmente de malária – naquela época, uma doença comum e misteriosa (ninguém sabia que era transmitida por mosquitos). Começou a ser reconhecido apenas um século depois de sua morte. Mas o culto em torno dele como o maior poeta da língua italiana é mais recente. “A grande onda da influência cultural e literária de Dante ocorreu no século 19 e no início do século 20, englobando o movimento romântico e o período do alto modernismo”, afirma Ronald Martinez. “Desde as duas grandes guerras, Dante se tornou um autor para quem leitores e escritores se voltam a fim de conhecer os estados extremos do sofrimento humano.”

O desterro de Dante é uma espécie de pedra no sapato dos florentinos até hoje. A cidade se ressente por não ter conseguido reaver os restos mortais de seu cidadão mais ilustre. Como forma de se redimir, há estátuas dele espalhadas pela capital da Toscana. Mas há quem, mesmo concordando com a genialidade do poeta, ainda insista em condená-lo. “A cada 100 anos, os florentinos fazem um julgamento, uma espécie de debate público, para decidir se Dante realmente merecia ou não ser condenado ao exílio. E eles sempre decidem que seus ancestrais estavam certos em expulsá-lo de Florença, confiscar seus bens e tentar matá-lo”, afirma Giuseppe Mazzotta. Talvez eles tenham razão. Se a vida do poeta não tivesse sido um inferno dantesco, coroado pelo exílio, provavelmente a Divina Comédia jamais tivesse sido escrita.

*GUSTAVE DORÉ é o autor de algumas das mais impressionantes gravuras de todos os tempos, como as ilustrações para a Bíblia e a Divina Comédia. Francês, nasceu em 1832 e morreu em 1883.

 Amigos, amigos, Inferno à parte

Livro não poupou nem as pessoas queridas pelo poeta

A Divina Comédia narra a viagem de Dante em busca de sua falecida amada, Beatriz. Ao atravessar Inferno, Purgatório e Paraíso, ele encontra as almas de amigos, inimigos e personagens históricos. A narrativa se passa em 1300: começa na Sexta-feira Santa e vai até pouco depois do Domingo de Páscoa. Na hora de escolher os personagens condenados aos nove níveis – ou “círculos” – do Inferno, Dante não poupou nem as pessoas de quem gostava. Brunetto Latini, seu respeitado mestre, por exemplo, surge no sétimo círculo. O poeta romano Virgílio, admirado por Dante, também foi colocado no Inferno, na companhia do filósofo grego Platão. Mas pelo menos ambos estão no Limbo, o primeiro círculo, onde ficam as almas dos virtuosos que não eram cristãos (os dois nem poderiam sê-lo, pois morreram antes do nascimento de Jesus). Quem não podia ficar de fora do Inferno era o papa Bonifácio VIII, um dos responsáveis pelo exílio do autor. Depois de achar Beatriz no Purgatório, Dante segue com ela para o Paraíso. Lá, encontra santos e figuras do cristianismo. Sobrou um lugarzinho também para Henrique VII de Luxemburgo, que governou o Sacro Império Romano e foi a última esperança que o poeta teve de voltar para Florença.

Inspiração islâmica?

História tradicional muçulmana pode ter ajudado Dante a criar sua obra-prima

Há quem diga que, mesmo tendo sido escrita por um católico convicto, a Divina Comédia traz referências tiradas da mitologia islâmica. Essa possibilidade foi levantada pelo historiador espanhol Miguel Asín Palácios no livro La Escatologia Musulmana en la Divina Comedia (“A escatologia muçulmana na Divina Comédia”, inédito no Brasil), publicado em 1920. A idéia pareceu um absurdo para os leitores cristãos – afinal, na Divina Comédia, Maomé aparece no oitavo círculo do Inferno. Mas, de acordo com Palácios, a história escrita por Dante se parece com a da Viagem Noturna de Maomé. Nela, segundo a tradição muçulmana, o profeta teria passado uma noite viajando pelo Inferno e pelo Céu ao lado do anjo Gabriel e falado com Abraão, Moisés e Jesus. Na década de 40 foram descobertas versões dessa história em latim, que circularam no século 13. Isso reforçou a suspeita de que Palácios poderia ter razão. Mas, até hoje, não há provas conclusivas de que Dante tenha se baseado nesse texto.

Exílio eterno

Dante foi enterrado em Ravena, que se recusa a devolvê-lo a Florença.

“Retornarei poeta e na fonte do meu batismo receberei a coroa de louros.” Essa frase, tirada da Divina Comédia, mostra que Dante acreditava que ainda voltaria, aclamado por seus conterrâneos, à sua cidade natal. Mas ele morreu longe de Florença e foi sepultado sem muitas honras na igreja de São Francisco, em Ravena. No século 15, quando a Divina Comédia começava a ganhar fama, um admirador do poeta construiu uma sepultura numa capela anexa ao templo. Lá, Dante foi enterrado sob a inscrição: “Florença, mãe de pouco amor”. Essa acusação se manteria verdadeira até 1829. Foi quando a cidade do pai da língua italiana resolveu se redimir e construiu um belo túmulo em sua basílica, passando a reivindicar os restos mortais de Dante. Ravena, entretanto, não permitiu a mudança. Segundo Giuseppe Mazzotta, da Universidade de Yale, restou a Florença financiar o óleo da lamparina que queima em cima da sepultura. Ravena, por sua vez, diz estar respeitando a vontade de Dante: ele queria retornar a Florença com honras. Mas em vida.

 Beijo

A chama das virgens

 

 Em Roma, as discípulas da deusa Vesta tinham de manter a castidade e zelar para que o fogo que protegia as famílias da cidade não apagasse jamais. Zeca Gutierrez

 No sossego de suas casas, ocupados com as tarefas do cotidiano, os romanos viviam protegidos por uma chama que não podia se apagar. O fogo queimava em uma pira protegida pelas paredes do templo da deusa Vesta, no monte Palatino. Eles não imaginavam como a labareda, que homenageava a divindade encarregada de zelar pela união das famílias da Roma antiga, era mantida acesa. O mistério da chama só era conhecido por poucas pessoas. Em particular por moças abastadas, filhas de família de conduta impecável e virgens. Eram elas, as vestais, as encarregadas de não deixar o fogo apagar.

Reclusas, as sacerdotisas da deusa Vesta recebiam privilégios impensáveis a outras mulheres de sua época e ocupavam um alto status na comunidade. Tinham a obrigação de se manter castas durante 30 anos após escolhidas para a tarefa. Caso violassem a regra, recebiam penas duríssimas. Podiam até terminar enterradas vivas.

Apesar da sombra da punição, ser uma discípula de Vesta era uma honraria ambicionada e rara. Só eram levadas para o monte Palatino as meninas de origem nobre. Com o consentimento dos pais e sem poder de escolha, as garotas eram recrutadas pelo sacerdote supremo do templo antes da puberdade. Ingressavam no grupo sem imaginar que sua principal tarefa era cuidar da chama de Vesta. A escolha, em geral, ocorria quando elas estavam com cerca de 7 anos, mas podia ser mais tarde. “A virgindade era apenas um dos requisitos para a escolha”, afirma a historiadora Renata Senna Garraffoni, professora da Universidade Federal do Paraná. “A menina deveria ser fisicamente perfeita. Além disso, era importante que a família fosse exemplo de perfeição em vários aspectos. Os pais tinham de estar casados, não podiam ter sido escravos nem ter tido qualquer envolvimento com negócios escusos. Órfãs também não eram escolhidas.”

Uma vez selecionadas, as meninas deveriam passar as próximas três décadas isoladas do convívio em sociedade. Viviam cercadas pelos muros altos do templo, localizado nas colinas romanas, onde também ficavam o Fórum e o Circo Máximo. Sob supervisão do Pontifex Maximus, título do maior dos sacerdotes de Roma, a chama do templo era mantida acesa sob disciplina militar. Nos primeiros dez anos de serviço, as vestais estudavam: aprendiam latim, histórias sobre a vida de Vesta – que era, segundo a mitologia romana, virgem – e questões de Estado. Nos dez anos seguintes, a tarefa principal era mais prática: revezar-se para alimentar a chama. A última década era voltada ao ensinamento: elas deveriam passar seu conhecimento para as novatas. Ao todo, entre as mais velhas e as mais jovens, o templo abrigava 18 sacerdotisas.

Considerada eterna e pura, a chama em homenagem à deusa funcionava como uma espécie de garantia de que Roma não seria invadida ou violada. “Por isso há uma relação direta entre a manutenção da virgindade e a proteção da cidade, destinando às vestais um lugar de destaque”, diz a historiadora. Segundo Holt Parker, especialista em estudos clássicos da Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, as vestais tinham até privilégios legais: não estavam tuteladas pelo pai ou pelo marido, prática comum entre as romanas. Elas eram tiradas de suas famílias ainda crianças, mas não passavam a pertencer a ninguém mais, tornando-se, assim, independentes e especiais aos olhos da sociedade e da legislação.

EM NOME DA DEUSA

O culto a Vesta era uma tradição antiga em Roma. “Muitos estudiosos afirmam que a fé data do período da monarquia e teria sido introduzida pelo rei Numa Pompílio, por volta de 715 a.e.c”, afirma Renata. Não existem muitos registros sobre a divindade. Como a deusa não costumava ser representada em esculturas ou pinturas, os dados a seu respeito vêm de textos de autores latinos como Cícero, Plínio e Plutarco. “A grande maioria das informações foi escrita por homens das elites romanas”, diz a historiadora. “As metáforas relacionadas à deusa e a suas sacerdotisas são permeadas por valores masculinos de diferentes momentos da história.” É certeza que a deusa, além de representar o fogo, tinha como tarefa principal guardar a lareira de Roma.

Na época republicana, que foi do fim do reino de Roma em 509 a.e.c à criação do Império Romano em 27 a.e.c, havia cerca de 33 deuses romanos. E, para cuidar de seus cultos, existia toda uma rede de sacerdotes provenientes da aristocracia. “Eles se reuniam em distintos colégios para interpretar as vontades divinas, cuja tradição remonta à influência etrusca. Embora, na sua grande maioria, fossem colégios masculinos, o dedicado a Vesta era formado por sacerdotisas”, diz Renata.

As vestais tinham outros papéis importantes na sociedade romana. “Em geral, elas aconselhavam o Senado sobre todos os assuntos referentes a questões divinas, conversavam com o povo sobre temas como a lei sagrada, incluindo a dos mortos, e supervisionavam os assuntos da lei familiar, como adoção e herança”, diz Renata. Se houvesse discussões em família, por exemplo, as sacerdotisas eram chamadas para acalmar os ânimos. E podiam ainda ser solicitadas para cerimônias especiais, como a leitura do testamento de algum imperador. Atividades como cuidar do abastecimento de água para os serviços do templo também estavam no dia-a-dia dessas mulheres. A clausura não era assim tão rigorosa: elas tinham autorização para sair sempre que necessário para participar não só de seus afazeres cotidianos como também de alguns eventos públicos. Nas lutas de gladiadores, por exemplo, tinham cadeira cativa.

CARNAVAL DE VIRGENS

Uma vez ao ano, todas as sacerdotisas deixavam juntas o templo em que moravam e iam para as ruas de Roma. Era a Vestália, festa em louvor à deusa, com data fixa entre 7 e 15 de junho. Tratava-se de um acontecimento único entre os moradores da cidade, que aguardavam ansiosos para ver de perto as tais virgens. Do pouco que se sabe dessa festa, há relatos de que seis dessas mulheres ficavam encarregadas de confeccionar bolos sagrados, feitos com as primeiras espigas de milho colhidas na estação.

No passeio realizado pela cidade, em espécie de procissão, as vestais eram vistas como celebridades. Enquanto as virgens estavam em liberdade nas ruas, o templo de Vesta era aberto para visitação, mas só para as mães romanas. No fim do percurso, no rio Tibre, as oferendas eram jogadas na água. “A partir de relatos do romano Ovídio, em especial em seu livro Fasti, sabemos que o festival se dava no Fórum e o asno era uma figura importante na procissão”, conta Renata. O carro que carregava as virgens era uma liteira tão luxuosa que, ao passar pelas vielas superpopulosas da cidade, causava alvoroço e comoção.

A VIRGINDADE OU A MORTE

Uma vestal podia ser reconhecida pela aparência. O ingresso no templo, ainda na infância, era marcado pelo corte de cabelo: os fios deviam ser aparados na raiz. Com o passar dos anos, porém, passavam a exibir longas madeixas. As cabeças eram coroadas por adereços de lã branca que caíam sobre os ombros e por cima dos seios. Os vestidos brancos obrigatórios eram recobertos por mantos de cor púrpura.

A obrigação de se manter virgem durante os 30 anos de dedicação à deusa Vesta era levada a ferro e fogo. Caso uma vestal quebrasse o código de conduta, estava automaticamente condenada à morte. Ou era enterrada viva ou jogada do alto da rocha Tarpeia, no monte Capitolino. O homem que a profanasse ia para a forca.

O sacrifício das sacerdotisas vestais também era empregado em outras ocasiões, como em situações de violência e ataques de inimigos contra Roma. Por serem puras, elas acabavam mortas para a proteção da cidade em momentos difíceis. Ainda hoje muitos estudiosos questionam até que ponto essa prática foi comum. Alguns explicam que a punição era parte do “pacote” de pertencer ao grupo das vestais. Elas eram consideradas uma espécie de antídoto para as mazelas que a cidade estaria sofrendo.

Tanto os sacerdotes quanto as sacerdotisas eram considerados na sociedade romana os responsáveis pela ordem divina, não podendo exercer outras funções administrativas do governo. Na maioria dos casos, levavam uma vida normal dentro da aristocracia. “A exceção era para as virgens vestais e os sacerdotes de Júpiter, que tinham relações sociais mais restritas e estavam permeados de tabus, como, no caso delas, a virgindade”, afirma a historiadora.

Caso as guerras não vingassem, as pragas não atacassem e a tentação do sexo não prevalecesse, depois de cumprirem os 30 anos de serviços à deusa as vestais ganhavam a liberdade. Com seus 40 anos, tornavam-se Virgo Vestalis Máxima. Entre outros privilégios, elas poderiam continuar a servir a deusa até a morte, já que muitas aceitavam o celibato como as freiras o fazem hoje em dia, ou se casavam com algum grande homem da época, gozando até de uma remuneração do governo, como uma espécie de aposentadoria.

Alguns historiadores afirmam que o imperador Graciano, governante de Roma de 367 a 378, foi o responsável pelo fim da supremacia das vestais. Isso leva a crer que o reinado dessas mulheres teria durado cerca de mil anos. O Manda-Chuva daquele momento da história não era cristão, mas tinha certa aversão por alguns deuses pagãos. A manobra para acabar com o templo de Vesta foi um exemplo de má política: suspendeu os salários das vestais, desviando todo o dinheiro para o serviço postal imperial. O imperador Teodósio foi quem pôs fim à divina farra romana. Proibiu uma série de tradições antigas, como os jogos de gladiadores, e também encerrou o culto aos antigos deuses. O templo de Vesta foi fechado em 394. A última Vestalis Máxima conhecida, Coelia Concórdia, morreu no mesmo ano, pouco tempo depois.

VIDA FANTASIADA
A história das vestais está cercada de mitos

Mito e realidade se confundem quando o assunto é a vida das vestais. Claudia Quinta, que viveu por volta de 200 a.e.c, era uma delas. Certa vez, foi acusada de imoralidade e seria punida com a pena de morte, mas conseguiu provar publicamente sua inocência (não se sabe como). Alguns relatos sobre as vestais são fantasiosos, como o de que Rhea Silvia, mãe de Rômulo e Remo, os míticos gêmeos fundadores de Roma, que frequentava um colégio de vestais, teriam sido seduzida por Marte, deus da guerra. Perigosa, e real, foi Tarpeia, que no século I teria aberto as portas de Roma para os sabinos, um povo que não aceitava a cidadania sem voto estipulada pelos romanos (vem dela o nome da rocha Tarpeia, local de onde as vestais traidoras eram jogadas). A moça acabou pisoteada pelos cavalos dos sabinos durante a invasão à cidade. Já a sacerdotisa Julia Áquila Severa rompeu seus votos de castidade para se casar com o imperador Elagabalus. Ele, para espanto geral, era um homossexual que se travestia de mulher, mas que, mesmo assim, foi casado com três mulheres.

AS DONAS DO FOGO
Além do poder econômico e do conhecimento, Roma e Grécia tinham em comum duas deusas poderosas

A origem de Vesta é cheia de mistérios. Mas sabe-se que ela é uma versão romana de Héstia, deusa do fogo dos gregos. Na tradição grega, a linhagem de Héstia teria sido uma das primeiras a formar o universo: ela era neta de Urano e uma das cinco filhas de Crono e Réia. Um dos irmãos de Héstia era Zeus, caçula que assumiu o posto maior do Olimpo após uma briga familiar. Quando soube que seria destronado para dar lugar a um de seus filhos, Crono engoliu sua prole. Réia, mãe dedicada, salvou Zeus escondendo-o do pai. Quando cresceu, Zeus decidiu vingar-se do pai. Ganhou de Prudência, sua amante, uma droga que obrigou Crono a vomitar os outros descendentes. Héstia voltou à vida e jurou virgindade eterna. Por isso, recebeu do irmão a honra de ser venerada nos lares por meio da chama sagrada. Todas as cidades gregas e romanas veneravam a chama eterna, cada qual com sua versão. Não se sabe, porém, quem veio primeiro: Héstia ou Vesta. “Era comum os romanos classificarem os deuses de outros povos a partir da comparação com os seus próprios”. Assim, embora Vesta seja a versão romana de Héstia, há quem defenda que o culto à deusa romana já existia antes do contato com os gregos. “Estudiosos dizem que relatos romanos indicam que as primeiras vestais eram filhas dos reis romanos ou suas esposas.” Tanto Vesta quanto Héstia se mantiveram indispensáveis para a vida social de seus povos no decorrer dos séculos.

Beijo

 Tutancâmon: O faraó menino

                              Reinaldo José Lopes

 

Seu túmulo praticamente intacto ajudou a desvendar mistérios de seu tempo – e fez nascer a lenda de uma maldição para quem atrapalhasse seu sono. Conheça a vida de Tutancâmon e descubra por que ele se tornou o mais popular dos reis do Egito

O inglês Howard Carter sabia que aquele dia, 26 de novembro de 1922, era o mais importante de sua vida. Teve que controlar a ansiedade para manter a precisão em seus gestos diante daquela porta, que caçara incansavelmente a maior parte de seus 48 anos. Antes de abri-la, fez nela um pequeno buraco. Pelo orifício, do tamanho de uma laranja, colocou, com a mão trêmula, uma vela acesa. A chama não se apagou. Sinal de que o ar da sala, trancada havia mais de 3300 anos, não estava intoxicado. Carter respirou fundo e mandou sua equipe começar a desobstruir o portal que escondia o passado da civilização egípcia.

Quando seu mecenas, o milionário lorde Carnarvon, perguntou a Carter se conseguia ver algo, ele, atônito, só conseguiu responder: “Sim, coisas maravilhosas”. “Detalhes do aposento emergiram lentamente da névoa, animais estranhos, estátuas e ouro – por toda a parte o brilho do ouro”, escreveu o egiptólogo depois. Howard Carter havia feito a mais rica descoberta régia da História no calorento Vale dos Reis, no Egito: o túmulo do faraó Tutancâmon.

Rei dos 10 aos 19 anos de idade, Tutancâmon teve uma vida curta, mas com doses generosas de drama e intrigas (assim como sua morte). E, embora não tenha deixado herdeiros, Tut, apelido que só ganhou no século 20, tornou-se um dos reis mais populares da Antiguidade após a descoberta de seu túmulo, pequeno e praticamente intacto. Mais que isso: ajudou os arqueólogos a recriar o cotidiano do Egito e a entenderem mais sobre a vida e a morte na rica e avançada civilização.

Filho da revolução

Tutancaton, como foi chamado ao nascer, em cerca de 1341 a.C., era o provável filho do faraó Amenhotep IV. Durante séculos, a principal divindade adorada pelos ancestrais de seu pai, os faraós da 18ª Dinastia, era Amon, um deus solar. Ao lado dele, uma série de outros deuses eram venerados no Egito. Por trás do enorme panteão havia milhares de sacerdotes e templos, que representavam uma força política das mais relevantes – numa comparação com os dias atuais, seriam como parlamentares. Esperava-se que o faraó Amenhotep IV mostrasse sua deferência aos deuses fazendo doações generosas aos religiosos, os quais, com isso, cresciam em poder e riqueza.

Amenhotep IV, no entanto, alterou esse velho equilíbrio. Ele repentinamente resolveu virar devoto de Aton, representado pelo disco solar e até então uma divindade um tanto obscura. Quis ainda transformá-lo no único deus dos egípcios. Como se não bastasse, mudou seu nome para Akhenaton, fundou uma nova capital, a cidade de Akhetaton (ou Amarna) e tentou apagar o nome de Amon dos monumentos do país. Fora a confusão religiosa, O Egito também enfrentou problemas políticos e ficou quase abandonado em seu reinado.

“Essa negligência fica especialmente clara no caso das relações exteriores do Egito. Akhenaton simplesmente deixou de dar atenção às guarnições militares egípcias e aos reis vassalos do país na Palestina e na Síria”, afirma o egiptólogo Michael Rice, autor de Egypt’s Legacy (“O legado do Egito”, sem versão em português). “O faraó muitas vezes nem respondia às cartas urgentes enviadas por seus súditos no exterior”, diz o arqueólogo Donald B. Redford, da Universidade de Toronto, no Canadá. Resultado: os tributos dessas regiões deixaram de fluir para os cofres egípcios. A despreocupação de Akhenaton com os negócios de Estado sugere que sua reforma religiosa não foi um movimento friamente calculado para tirar poder dos sacerdotes, mas um reflexo genuíno de sua fé.

Seja como for, em 1336 a.C., após 13 anos de reinado, o faraó morreu, deixando o país nesse estado bagunçado. E, após um período de cerca de dois anos, o trono acabou ocupado por Tutancaton, então um menino de 9 ou 10 anos. Os documentos apenas dão pistas de que Akhenaton era o pai do garoto. Nos retratos oficiais, o faraó de Amarna aparece com sua esposa principal, Nefertiti, e suas seis filhas – nunca com um filho. No entanto, há registros de que Tut era “filho do rei”, e que o menino nasceu no meio do reinado de Akhenaton – tarde demais, portanto, para que ele fosse irmão mais novo do faraó. Além disso, há indícios de que Kiya, esposa secundária de Akhenaton, deu à luz um menino, o que indica que pode ser a mãe de Tut.

Por outro lado, alguns arqueólogos dizem que, naquele período que se passou entre a morte de Akhenaton e a ascensão de Tutancâmon, o Egito foi governado por um tal Smenkhare, que aparece como co-regente de Akhenaton em seus últimos anos. Nesse caso, Smenkhare, que teria reinado apenas alguns meses, poderia ser meio-irmão de Akhenaton ou filho dele, o que faria de Tut um sobrinho ou neto do faraó de Amarna. Para complicar ainda mais, alguns pesquisadores acreditam que Smenkhare e Nefertiti seriam a mesma pessoa – e a esposa teria assumido o trono com outro nome após a morte de Akhenaton, antes de Tut entrar em cena. Por enquanto, todas essas hipóteses são defensáveis.

Casamento com a irmã

O certo é que Tutancaton acabou sendo reconhecido como o único herdeiro masculino da 18ª Dinastia e, para reforçar ainda mais seu direito ao trono, os conselheiros do faraó-menino realizaram seu casamento com Ankhesepaton, uma das filhas mais novas de Akhenaton, que devia ter cerca de 12 anos na época – e que seria, assim, meia-irmã de Tut. “A medida tem a ver com o fato de que a linhagem feminina era uma garantia importante da ligação com a realeza no Egito”, afirma o egiptólogo Bob Brier, da Universidade de Long Island, nos Estados Unidos. A união de dois meios-irmãos de sangue real chegava, portanto, bem perto do máximo de legitimidade política.

Em todo esse processo, Tut e sua noiva devem ter sido assessorados de perto por duas figuras que acabariam ocupando o trono faraônico mais tarde: o vizir (espécie de primeiro-ministro) Aye e o general Horemheb. Os dois tinham sido muito próximos de Akhenaton, mas, percebendo o descontentamento dos egípcios com o regime monoteísta de Amarna, fizeram o novo faraó ser coroado em Tebas, antiga capital da 18ª Dinastia e centro do culto ao velho deus Amon.

O casal real voltou brevemente para Akhetaton, mas, cerca de dois anos após a coroação, mudou-se em definitivo para Tebas e passou a ser conhecido pelos nomes de Tutancâmon e Ankhesenamon – a incorporação do nome do deus Amon sinalizava a volta à velha ordem religiosa. Mas a contra-revolução não ficou meramente subentendida. Tut (certamente sob inspiração de Aye) mandou erigir um monumento em frente ao templo de Amon em Karnak, nos arredores de Tebas, onde resumia seu “programa de governo” em hieróglifos – o equivalente na época a um pronunciamento do presidente em rede nacional de televisão e rádio.

“Nem era preciso ler o texto: lá estava a imagem do faraó trazendo oferendas para Amon”, diz Brier. No entanto, os hieróglifos foram decifrados. E diziam: “Quando sua majestade subiu ao poder, os templos dos deuses e deusas tinham caído em abandono. A terra estava em confusão, os deuses tinham abandonado este país. Então sua majestade meditou, procurando o que seria benéfico a seu pai Amon. Todas as oferendas dos templos foram dobradas, triplicadas, quadruplicadas. A celebração agora toma toda a terra, e as condições favoráveis voltaram”.

Se nas entrelinhas a mensagem de Tutancâmon atestava a incompetência do pai, a impressão deixada pela maioria dos registros é que o Egito voltou a entrar nos eixos. A construção de templos e monumentos foi retomada no vale do Nilo e, sob a batuta de Horemheb, o exército egípcio voltou a ser temido no Oriente Médio. O general esmagou os rebeldes que tentavam separar a Núbia (norte do atual Sudão) do reino faraônico e voltou a impor alguma ordem na Palestina e na Síria. Os principais inimigos do Egito na área eram os hititas, povo que governava a atual Turquia e estava tentando uma expansão para o sul, ameaçando tirar algumas regiões da Síria da esfera de influência egípcia.

A mole vida de um rei

A descoberta em 1922 do túmulo quase intacto de Tutancâmon – apenas a primeira parte dele havia sido saqueada poucos anos após sua morte – ajudou os arqueólogos a recontar não só a biografia do faraó como também sua vida diária e o dia-a-dia no Egito. Lá dentro foram contabilizados 5398 objetos e utensílios ligados a Tut. Por meio das peças e pinturas encontradas, os arqueólogos descobriram que o faraó costumava participar de festas religiosas em Tebas, como a que celebrava a visita do deus Amon ao templo de Luxor. Nela, as estátuas dos deuses seguiam 3 quilômetros pelo rio Nilo em barcos. Outro tipo de festa celebrava o deus-falcão Hórus – deus, aliás, de quem o faraó era o representante na Terra (de acordo com a tradição da monarquia divina egípcia, quem governava o país era o próprio Hórus, na figura do faraó).

Ele também era um caçador: a quantidade de arcos no túmulo de Tut não deixa dúvidas de que ele adorava o esporte. Em geral, nessas ocasiões, ele e Ankhesenamon deixavam seu palácio em Mênfis, no norte do Egito, e partiam para o delta do Nilo, perto do Mediterrâneo, uma região coberta por uma densa vegetação pantanosa e lar de grande quantidade de aves aquáticas. Enquanto Tutancâmon mirava um pato, a rainha preparava a próxima flecha para ele. Com um arco maior, parecido com os usados na guerra, Tutancâmon partia para o deserto para caçar avestruzes e gazelas, montado em bigas ou carruagens velozes. Enquanto um cocheiro assumia as rédeas, o jovem faraó manejava a arma, que podia lançar flechas a quase 200 metros de distância.

As cenas da vida de Tutancâmon retratam o casal sempre próximo, trocando gestos de carinho (o rei oferece uma flor de lótus para a esposa, ou derrama perfume nas mãos dela). Os dois adoram os deuses ou oferecem colares de ouro aos súditos que realizaram tarefas importantes com sucesso. Tudo isso sugere que a relação entre eles era ótima. Mas o casal provavelmente perdeu duas filhas. Ankhesenamon teria sofrido abortos com oito e cinco meses de gravidez. A primeira menina, se tivesse sobrevivido, teria deficiências físicas sérias. Os dois fetos foram mumificados, contrariando a prática da época, e colocados na tumba do pai. Cerca de dois ou três anos após a morte do segundo bebê, em 1324 a.C., Tutancâmon morreu.

Morte cheia de mistério

A morte foi acompanhada de uma baita confusão. Os únicos fatos indiscutíveis na bagunça envolvem Ankhesenamon numa conspiração internacional fracassada. Agindo por desespero e interesse político, a rainha escreveu para Supiluliuma I, o rei dos inimigos hititas, em tom de súplica. “Meu marido morreu. Filhos eu não tenho. Mas para ti, dizem, os filhos são muitos. Se me desses um dos filhos teus, ele tornar-se-ia meu marido. Nunca hei de tomar um servo meu e fazê-lo meu esposo! Tenho medo!” O acordo entre ela e Supiluliuma acabou selado e o rei hitita chegou a mandar um de seus filhos para o Egito, mas o príncipe nunca alcançou seu destino: foi misteriosamente morto no caminho. A solução encontrada pela viúva de Tut e o ex-vizir Aye foi um casamento. Anéis comemorando o matrimônio dos dois provam isso. Até hoje, não se sabe como ou quando ela morreu.

Para Bob Brier, o mistério da morte de Tut tem explicação: o ambicioso Aye teria mandado matá-lo, assim como teria feito depois com Ankhesenamon. Para Brier, a presença de um coágulo na nuca do faraó, sugerida por radiografias da múmia, indica que ele teria levado uma pancada na parte de trás da cabeça enquanto dormia. Ao ver que seu mestre chegava à mauridade e não toleraria mais ser manipulado, Aye teria decidido que era hora de tomar o poder. O vizir também jamais aprovaria o governo de um estrangeiro no Egito. Portanto, teria mandado matar o filho do rei hitita.

No entanto, recentes tomografias computadorizadas feitas na múmia não revelaram a suposta lesão craniana. Para Zahi Hawass, secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades do Egito, o principal resultado da análise foi a presença de uma fratura séria no fêmur esquerdo do rei, que teria cicatrizado pouco antes da morte. Ele acredita que uma infecção ligada à fratura – que teria acontecido numa das caçadas de Tutancâmon a bordo da carruagem – seria a causa da morte. “Eles, porém, ainda não fizeram uma publicação científica dos achados”, diz Brier.

De concreto, sabe-se que o faraó-menino morreu muito cedo, inesperadamente. A prova é seu túmulo, muito menos suntuoso que os dos reis de sua dinastia: decerto não estava acabado. Tut chegou a supervisionar a construção de sua futura sepultura. “Como era costume, o faraó deve ter passado quase toda sua vida na tarefa de construir a sepultura, finalizada só quando ele morreu”, diz o egiptólogo Julio Gralha, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Por causa da morte inesperada, a mobília funerária de Tut era composta por alguns objetos que nem pertenciam ao faraó, e sim a outros membros da família. Muitas peças de ouro maciço foram encontradas ali. Tutancâmon não teria tido tempo de conseguir aquilo tudo, e alguns arqueólogos apontam o fato como outro indício da conspiração para matá-lo. Assim, a suntuosidade preparada por seus supostos assassinos esconderia seus verdadeiros propósitos.

A maldição da múmia

A descoberta da tumba em 1922 também suscitou uma outra teoria. O fato de arqueólogos ocidentais terem virado o túmulo do avesso (o corpo do faraó foi até fatiado para os estudos) deu início à lenda de uma “maldição da múmia” que recairia sobre os que participaram do suposto sacrilégio. A “prova” mais concreta disso foi a morte de lorde Carnarvon, o nobre britânico que financiou as escavações, ocorrida após a picada de um mosquito cinco meses após a descoberta. Dias antes da abertura do sarcófago de Tut, morrera o canário de Howard Carter, considerado a mascote da equipe de escavação. Outras mortes se seguiram: três estudiosos ligados direta ou indiretamente à descoberta, o meio-irmão de Carnarvon e até seu cachorro. Foi divulgado na época que Tut advertira sobre os riscos de violarem sua sepultura. Uma inscrição estaria gravada em sua tumba: “As asas da morte tocarão aquele que incomodar o faraó”.

No entanto, um estudo feito pelo epidemiologista Mark Nelson, da Universidade Monash, na Austrália, mostrou que a idade média de morte das pessoas que entraram no túmulo de Tut foi de... 70 anos, a mesma expectativa de vida de contemporâneos. O próprio Carter só morreu em 1939. Já a tal inscrição, revelou um membro da equipe em 1980, foi uma mentira inventada por Howard Carter e seu mecenas. Tudo para que ninguém ousasse roubar nada da riquíssima tumba do rei. Deu certo.